28 de fev. de 2010

Desconstruindo o doutor Martin

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Arrepia os cabelos a leitura da entrevista, publicada em “O Liberal”, neste domingo, concedida pelo doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo, André Roberto Martin.

O objeto da entrevista é apresentar o prejuízo que seria a divisão do Pará em três estados.

O pensamento de Martin, contrário à divisão, tem fundamentos tão capciosos que chegam às raias do proselitismo ariano.

Martin acusa o pacto federativo getuliano (compensação de representatividade política a quem tem menor poder econômico, que visava equilibrar a lógica proto colonialista do eixo norte-sul), como o grande beneficiado na operação.

Afasta a oportunidade da divisão do Pará, alegando, estoicamente, que o fato só aumentaria a representatividade do Norte, pobre, em detrimento do Sul, rico.

O seu pensamento de consolidação de conglomerados econômicos repete a cínica tese delfiniana de que é necessário concentrar riqueza para que ela vaze moedas em distribuição: nada mais anacrônico para um mundo em que o Consenso de Washington está cremado.

Para fundamentar a sua tese de que é preciso privilegiar o valor econômico, Martin comete uma inverdade geopolítica, ao dizer que “O modelo dos Estados Unidos é exemplar nesse ponto de vista, porque primeiro o território novo adquire uma certa densidade demográfica e econômica para depois ascender à condição de Estado membro da União”.

A formação territorial da federação norte americana não obedeceu a esta lógica: não se esperou colônia alguma ter consolidação econômica pois elas foram divididas do ponto de vista puramente estratégico territorial. Os demais estados seguiram o mesmo juízo e o último deles simplesmente foi adquirido com um cheque.

Notem o que o Doutor Martin diz em certo ponto: “Olha só, criou-se o Estado, a União é responsável pelos investimentos em educação, criam-se universidades federais nessas áreas. Será que Roraima e Amapá precisam de universidades? Será que está certo o governo federal fazer esse tipo de investimento? Não é um desperdício? Será que não seria mais vantajoso concentrar os investimentos em educação e universidades nas áreas mais densas da região, como Belém e Manaus?”

Ao ler isto eu levantei da poltrona, fiquei meio atordoado e fui olhar a paisagem para pensar: será que tudo o que eu aprendi sobre democratização e universalização do ensino está errado?

Eu sempre achei que a escola tem que sair dos seus muros e alcançar o estudante onde ele estiver. A República não pode medir esforços para colocar uma faculdade aonde exista gente a educar. Não é desperdício educar.

Se alguém que mora em Tucuruí, no Pará, não pode vir para Belém para cursar uma universidade, como um estudante de Roraima pode fazê-lo? Onde mora o doutor Martin, para achar que é possível vir de bicicleta de Macapá ao Campus do Guamá?

A entrevista então caminha para um anacoluto: Martin admite melhora nos índices gerais dos estados que se emanciparam, mas argumenta que é só porque eles se emanciparam...!?

Ato contínuo, como a querer corrigir o círculo, afirma que olhar somente a melhora do estado emancipado é descontextualizar a vista do país como um todo, e não ver o que ocorre a nível nacional.

Meu caro Doutor Martin, eu desconheço que o Rio Grande do Sul, ou o Piauí, tenham tido algum problema porque o Tocantins virou Estado.

Impressiona a pobreza conjuntural do doutorado de Martin, que o faz imaginar que, dividido o Pará, as duas unidades federativas originadas cortarão imediatamente o contato político econômico e financeiro com o originário, e Belém, como o maior centro da região, não mais receberá o fluxo cotidiano natural que já consolidou.

Ao contrário, a exemplo do que houve em outras divisões, o fluxo não só permanece como aumenta, pois com o aumento da circulação econômica do todo, o centro nervoso, que era a capital do estado, ganha valor agregado, passando a ser o ponto de convergência do aglomerado regional.

Daí pra frente a entrevista cai nos clichês: divisão é coisa das pequenas elites; o poder político destes novos estado será exercido pelas elites microrregionais e et caterva.

Termina a entrevista com falácias e má informação ao dizer que, nas divisões do Mato Grosso e Goiás, os estados originários saíram perdendo: não é verdade.

Ambos, desde a divisão, não perderam 1 centavo sequer de PIB e mantiveram o crescimento econômico médio que vinham obtendo, no caso de Goiás, com maior pujança.

Sinceramente, aos bizarros argumentos do doutor, chocam-me menos aqueles que se baseiam puramente no sentimento de que não devemos dividir porque somos a terra de ricas florestas fecundadas ao sol do Equador.

1 de fev. de 2010

Panorama latino-americano

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A crise mundial chacoalhou um ciclo de certo progresso que já se estendia por quase vinte anos nos países da América Latina.

Todavia, em virtude da solidez do controle inflacionário e a diferente versão da bancarrota, com epicentro nas hipotecas estadunidenses, estes ditos países acabaram amortecendo o golpe e raiam 2010 com boas perspectivas econômicas.

A CEPAL estima que embora o PIB latino americano tenha tido um pífio crescimento em 2009, 0,3%, em 2010 haverá uma alavancagem de até 4,1% - o Brasil espera 5,5%.

Como sou conservador em prognósticos, dar-me-ei por arriscar que o Brasil cresça 3,5%: isto puxaria o índice geral do continente latino para baixo, mas só o fato de ultrapassarmos os 3% já nos garantiria um dos maiores crescimentos globais, pois os rumos da economia mundial ainda acusam o golpe.

Há que se considerar, nestas perspectivas da macro economia sul americana, os humores da política interna dos países do cone.

As peraltices de Chávez, por exemplo, na Venezuela, acabam contaminando as eventualidades vizinhas.

Em 2009 houve seis eleições presidenciais e somente em El Salvador houve mudança real: o empresário de comunicação Carlos Funes venceu, pela Frente Farabundo Marti para a Liberação Nacional, um partido de extrema esquerda, o conservador Rodrigo Ávila.

A propósito, Carlos Funes é casado com uma brasileira: a paulista Vanda Pignato, que trabalha na embaixada brasileira em San Salvador.

Como agora em El Salvador, há comandos de esquerda no Equador, na Bolívia e no Uruguai.

Não espero para os próximos quatro anos qualquer mudança de rumo naquelas plagas, pois a fórmula chavista acabou virando moda: os presidentes eleitos patrocinam plebiscitos para lhes garantir continuas reeleições, o que acaba, no fato, constituindo uma ditadura.

O arremedo de monarquia com a desculpa plebiscitária só não deu certo em Honduras: Manuel Zelaya tentou a sopa, mas o caldeirão entornou em cima dele.

Aproveitou-se do caldo hondurenho, o fazendeiro Porfirio Lobo, que venceu a eleição e despediu Zelaya para a República Dominicana.

No Chile, o ultraconservador Sebastián Piñera, embora recebendo um governo de centro esquerda, não deverá ensaiar maiores mudanças, a não ser sintonia fina, para adequar a política interna.

Haverá três eleições em 2010 na América Latina: Costa Rica, Colômbia e Brasil.

Quaisquer que sejam os vencedores, todavia, não é de se esperar mudanças radicais na política econômica.

O quadro, portanto não deve ser de maiores turbulências, sendo possível fazer os prognósticos econômicos preliminarmente descritos, sem receio de frustração de cálculos quando dezembro chegar.