31 de mar. de 2010

O Khadji Murat

Artigo escrito em 1996, por ocasião de um ataque do exército russo na Chechênia, publicado em “O Diário do Pará”

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O contra ataque soviético na Segunda Guerra foi decisivo à vitória dos aliados. Os alemães marcharam sobre Paris. Os russos vingaram De Gaulle: marcharam sobre Berlim.

Eu devia ter 14 anos quando li “Kadji Murát”, de Leon Tolstoi: foi quando eu fui apresentado à Chechênia e a região do Cáucaso.

O livro conta a saga de Murat, um Khadji (título dado aos muçulmanos que já fizeram a "khadj", que é a peregrinação às cidades santas de Meca e Medina) que foi um dos principais capitães do Íman Shamil, que liderou, no início do século XX, as rebeliões chechenas contra a Rússia, que nunca lhes dispôs o território.

A leitura do “Khadji Murát” ajudará os que têm interesse em saber algo mais sobre a Chechênia e sua luta contra os russos.

As batalhas russas são prenhes de heroísmo e atos de bravura de seus generais.

Uma das páginas mais belas que já li foi a defesa, feita pela esposa do General Stoessel - as esposas dos generais russos os acompanhavam nas guerras -, quando ele foi julgado pela derrotado russa em Porto Arthur.

Leio nos jornais que os generais russos, enviados por Moscou para conter o avanço dos chechenos para fora das suas fronteiras determinadas, em aberto desafio ao Kremlin, se recusaram a avançar contra a resistência, alegando que os rebeldes eram homens, mulheres e crianças contra os quais não abririam fogo..

O General Babichev, comandante de uma coluna blindada russa e o primeiro a tomar tal atitude, foi categórico:

- Os líderes russos podem nos condenar, mas não vamos atirar nem usar tanques contra o povo.

A decisão foi tomada após a visão do general, que teve a sua coluna de blindados barrados por centenas de mulheres chechenas que declararam que os tanques só avançariam se passassem por cima dos seus corpos.

Em tempos como os nossos não mais se pode justificar o colonialismo. Todos os povos têm seu direito a autodeterminação assegurados.

Os generais que se recusam a avançar sobre a Tchetchênia, mais uma vez provam o valor, a coragem e a intrepidez dos russos.

14 de mar. de 2010

Contrarrazoes

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O jornal "O Liberal" deste domingo, 14, traz opinião do Engenheiro Lutfala Bitar, empresário do setor de construção e vice-presidente da Associação Comercial do Pará, contra a divisão do Pará.

Permito-me contra-arrazoar Lutfala Bitar:

01. Alega que "dividido em três unidades federativas, cada um dos estados terá um peso no cenário nacional nada representativo e ao contrário do tão sonhado desenvolvimento, os estados terão que administrar uma enorme gama de problemas."

Há ai um equivoco de analise macro regional, pois os três estados, com características geopolíticas similares, formariam um bloco de ação – com o peso resultante maior que as partes - sempre que os interesses da mesorregião estivessem em jogo: assim age o Nordeste para enfrentar as incongruências do pacto federativo, e consegue maiores fatias no orçamento da União que todo o Norte junto.

Quanto a "administrar uma enorme gama de problemas", a frase cabe apenas como adjetivo da sentença, pois todos os estados administram, sempre, uma gama enorme de problemas.

02. Segue a matéria, alegando que "as regiões Sul e Sudeste do País participam com cerca de 75% da riqueza territorial brasileira. Os outros 25% estão distribuídos entre as regiões Centro-oeste, Norte e Nordeste, ou seja, apenas um quarto da riqueza nacional se apresenta do meio para cima no mapa do País."

Alega Bitar que estes números são dispares "se levarmos em conta que dois terços do território brasileiro é composto pela Amazônia”.

Isto é um anacoluto no objeto da discussão, pois tal desequilíbrio não se dá em função do território amazônico e sim pelas circunstancias históricas que cimentaram o perfil nacional.

Uma redivisão territorial do Brasil deve ser observada do ponto de vista do desenvolvimento regional e como uma ferramenta de redistribuição da renda federativa, extremamente concentrada no Sul e Sudeste.

03. Alega-se que com a divisão, a participação do Pará no PIB nacional, que hoje é de 1,7%, ficará abaixo de 1%. “É, sem dúvida, uma participação inexpressiva, que vai atrapalhar inclusive no campo político”, comenta Lutfala Bitar, lembrando que os estudos de viabilização da divisão não foram concluídos e por isto não tem como avaliar o assunto, defendendo, por isto, a não realização sequer do plebiscito.

Mais uma vez há dificuldades, naqueles que se recusam a aceitar a divisão, em enxergar a empreitada como um projeto de desenvolvimento regional e não com uma dicotomia geopolítica.

O Pará, a perdurar o atual pacto federativo, continuará fadado a fornecedor de matéria prima para a União. É desta matéria prima, sem valor agregado, que o Pará se deveria queixar sobre o seu minúsculo PIB, apesar da sua riqueza material.

Quanto a perda de peso político, discordo da afirmação apresentada, por entender que o peso político de um estado não está unicamente relacionado com o tamanho do seu PIB.

Peso político estadual se compõe na fatoração da macrorregião onde ele se insere, da quantidade de parlamentares que possui na Camara Federal, da qualidade desta representação, e de como a bancada que o representa se relacionar com as eventualidades da legislatura.

O nosso sistema parlamentar foi elaborado privilegiando a quantidade. Por isto, têm peso político especifico maior os estados mais populosos, porque mandam mais representantes ao parlamento, e os blocos macrorregionais, que compensam a fragilidade representativa com a quantidade alcançada pela coalizão.

Neste caso, a divisão do Pará, longe de subtrair prestígio político à região, potencializaria este peso pela multiplicação da representatividade.

Quanto a aguardar estudos de viabilidade para autorizar o plebiscito, não há esta exigência legal estabelecida.

Uma vez este autorizado, o processo se abastecerá das razoes e contrarrazoes necessárias ao convencimento do eleitor. A propósito, estudos há que demonstram tanto as razoes quanto as contrarrazoes, de acordo com o humor de quem as encomenda.

A matéria daí para a frente, discorre dados e extensões territoriais e procura mostrar o antes e o depois, fazendo uma analise puramente aritmética, descontextualizada das variáveis sociológicas e das repercussões econômico financeiras que poderiam ser rebatidas caso o novo cenário viesse a ocorrer: ficar menor não significa, necessariamente, ficar pior.

Ao final incorre-se no equivoco de afirmar que o Pará perderia a Hidrelétrica de Tucuruí, tendo que importar energia, as minas de Carajás, e seis das suas bacias hidrográficas.

Nada disto pertence ao Pará e não se esgota no Pará: é tudo patrimônio da União, sobre os quais o Estado não tem jurisdição de espécie alguma e nem aufere qualquer beneficio vertical.

A Usina de Tucuruí, antes de fornecer energia ao Pará, fornece ao Brasil, através do sistema integrado nacional. O Pará não agrega valor algum com isto.

O Pará já importa energia do operador nacional que é o proprietário que usa, goza, dispõe e abusa de toda a energia gerada no país.