27 de out. de 2008

Sintonizando Keynes

Sintonia - Sebatian Picker. Clique na imagem para seguir o link. O Congresso dos EUA, na busca da gênese da crise imobiliária, que acabou fazendo metástase, quis ouvir quem estava à frente do Federal Reserve, quando começou a inflar a bolha imobiliária.

O nome dele é Alan Greenspan, o mais longevo presidente do FED, que vem a ser o banco central dos EUA: comandou a instituição por 19 anos.

Greenspan, além de um refinado saxofonista, tocou com Stan Getz, é Ph.D em economia pela Universidade de Nova York: seus conhecimentos e experiência com a economia dos EUA levaram Ronald Reagan a apontá-lo, em 1987, para presidir o FED, cargo para o qual foi reconduzido por 4 vezes até se aposentar em 2006.

Mr. Greenspan sempre defendeu que a desregulamentação do sistema financeiro era benéfica para o mercado: achava que as próprias instituições de crédito eram mais bem habilitadas para proteger os interesses dos seus acionistas.

Isto funcionou por todo o século XX, ratificando, enquanto durou, a lavra de Adam Smith em seu bem escrito, “Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”.

Defensor astuto da política de Smith, Geenspan ressuscitou Keynes ao afirmar, no Congresso dos EUA, que estava parcialmente errado quando acreditou no império do mercado frente à necessidade de regulamentação pelo Estado.

Os economistas que assistiam a espécie de interrogatório respondido pela figura algo abatida, mas imperiosa, de Mr. Greenspan, sentiram um gosto amargo quando ouviram dele: “Aqueles de nós - especialmente eu mesmo - que acreditaram que o interesse próprio das instituições de crédito protegeria as ações de seus acionistas  estão em estado de choque.”

Espera-se, portanto, que os EUA, doravante, façam a sua Bretton Woods interna, onde o intervencionismo estatal tenha presença mais forte no sistema econômico como um todo e em particular, mais amiúde, na regulamentação das instituições de crédito.

Enquanto isto, o quarto cavaleiro do apocalipse da crise, montado no seu cavalo baio, anuncia a morte de mais instituições de crédito.

Nouriel Roubini, o mais respeitado economista dentro dos EUA, por ter acertado 10 em 10 previsões que fez desde  o início da confusão, vaticinou, esta semana, que centenas de fundos hedge vão falir nos próximos meses.

“Alcançamos uma situação de puro pânico. Haverá uma desova maciça de ativos e centenas de fundos hedge vão virar pó”, afirmou Roubini, para quem seria necessário fechar os mercados financeiros por, no mínimo, uma semana, para por ordem no sistema.

O pânico, é verdade, é um dos elementos com importante peso específico na crise: a globalização da informação, aliada a tendência da imprensa em carregar nas cores da versão que dá aos fatos, faz com que estes fiquem bem menores que aquela.

Portanto, além de economistas, precisam as equipes que formulam a nova ordem mundial, de psicólogos e terapeutas para ajudar as pessoas a enxergar que o mundo não vai acabar: estamos, tanto quanto, mudando a posição do dial no nosso rádio digital, para uma estação que toque o sistema financeiro com menos usura e mais responsabilidade.

20 de out. de 2008

O mesmo de sempre

mesmosempre[1] O Ministro Mangabeira Unger cometeu um texto que intitulou “Projeto Amazônia – Esboço de uma proposta”.

O documento é uma coleção de paráfrases, cujos parágrafos podem ser encontrados em inúmeros trabalhos já produzidos sobre o tema.

O cardápio oferecido sequer chega a ser mais do mesmo: é apenas o mesmo de sempre.

O documento é cheio de lugares comuns, tais como “transformando a Amazônia o Brasil se transformará”, e apresenta, com pisado maniqueísmo, o contraditório ambientalistas radicais versus desenvolvimentistas moderados, seja lá o que isto venha a significar.

Apresenta como eixo da proposta o que deveria ser a premissa, ou seja, o zoneamento econômico e ecológico e a solução dos problemas fundiários na região: estas duas necessidades, se não sabe Mr. Unger, são apontadas desde que Francisco Caldeira aportou em Belém em 1616.

E assim vai o texto apontando o mesmo de sempre, passando pelas idéias da maioria dos geógrafos, economistas e ideólogos que já versaram sobre a Amazônia, desde a Zona Franca até a agricultura familiar.

Vez em quando voltam os clichês preferidos dos financistas da floresta, quando oram o óbvio com ares keynesianos, tal como aquele que diz que o Estado tem que fazer a floresta em pé valer mais que derrubada: melhor que isto só Adam Smith.

Mr. Unger também acha, como o resto de nós, que a Amazônia precisa investir em tecnologia e, concomitantemente, sistematizar a matriz de serviços ambientais, o que seria a questão técnica.

Finalmente, naquele retalho do documento, invoca como questão institucional, o braço do Estado para tanger o técnico e o tecnológico: elementar.

Chama atenção para a enorme biodiversidade da Amazônia e do potencial farmacológico que a exploração da mesma encerra.

Digressiona sobre o uso energético da madeira e o aproveitamento hidroviário e hidroelétrico dos rios.

Faz isto como se nunca uma viva alma houvesse escrito as mesmas coisas sobre o tema antes dele.

Será que o Mr. Unger acredita mesmo que está contribuindo com algo de novo sobre a Amazônia, ou só quer justificar o salário de ministro com chuva no molhado?

A pérola da novidade, no documento produzido pela equipe de assessores e assinado pelo Ministro Unger, é o parágrafo sobre a atividade mineral na Amazônia.

“A mineração que se faz hoje na Amazônia, sobretudo no sul do Pará, é uma das principais atividades econômicas da região. Pouco proveito traz, porém, à população amazônica. Tem valor substancial a seguinte simplificação: leva-se o metal para fora e deixa-se o buraco da terra. Empregos, poucos. Dinheiro, longe”.

Ele chegou a esta conclusão agora ou, como nós, constatou isto desde a Serra do Navio, ainda no século passado?

Tanto do mesmo nos leva ao terrível dilema do biscoito Tostines: o Ministro Unger pensa igual a nós ou nós é que pensamos igual a ele?

É irrelevante a resposta, mas, mesmo porque mais não seja, uma conclusão a mim se ratifica: o Senhor Unger e a sua pasta são um enorme equívoco para o Brasil e apenas uma falácia a mais para a Amazônia.

Leia aqui o documento na íntegra.

13 de out. de 2008

A crise como ela é

Operadora da Wall Street em dia de cão Há uma overdose de informação sobre a atual crise financeira que começou nos EUA e se alastrou pelo mundo: muita gente ouve, mas não lhe consegue entender a gênese.

Veja o que ocorreu para que Wall Street voltasse a ser um simples muro no Lower Manhattan:

O seu Zé tinha um boteco e resolveu vender fiado, anotando a dívida em um caderninho. Para remunerar o crédito se deu ao direito de aumentar o preço.

O negócio deu certo. O seu Zé aumentou os itens oferecidos e o caderninho começou a comportar mais recebíveis.

O seu Zé, então, foi ao banco pedir um empréstimo para alavancar o negócio.

O gerente perguntou se havia alguma garantia: o seu Zé mostrou o caderninho, como prova de que poderia pagar o empréstimo com o que tinha a receber dos fregueses.

O gerente viu que as dívidas ali contidas eram ativos recebíveis, e constatou que o caderninho do seu Zé era mais rentável que as aplicações do banco: começou a adiantar dinheiro ao boteco, comprando as dívidas dos fregueses do seu Zé, com um razoável deságio.

O seu Zé, para garantir a sua margem de lucro, aumentou ainda mais o preço das mercadorias.

O banco pegou o caderninho do seu Zé e o transformou em títulos bancários, com aquelas siglas cabalísticas, tais como, CDB, RDB, CDO, Hedge, Prime, ou qualquer outro acrônimo financeiro.

O banco colocou sobre preço nas operações, para poder pagar o que adiantava ao seu Zé e ainda ganhar algum.

O caderninho virou moeda virtual e pousou nas carteiras dos bancos do planeta: virou ativo financeiro e contribuiu para alavancar o mercado de capitais e conduzir operações estruturadas de derivativos na bolsa.

Nos títulos não estava escrito que o lastro era um boteco, e que o valor original do ativo era 10 vezes menor que o negociado na bolsa.

Esqueceram de acompanhar a saúde financeira dos devedores do boteco que, nos altos e baixos da vida, estavam em dificuldades para saldar a conta corrente do caderninho.

O seu Zé começou a atrasar ao banco o que lhe era adiantado e, para receber algo dos fregueses, dava-lhes descontos, o que lhe tomava o lucro.

Seu Zé não mais pagava a integralidade do adiantado pelo banco e nem conseguia repor o estoque na mesma proporção, o que começou a afugentar os fregueses, que corriam a outro boteco para comprar, também fiado, o que não mais tinha no seu Zé.

O outro boteco apelou para a mesma operação do seu Zé, em outro banco, e a história se repetiu sucessivamente.

O banco não mais adiantou ao seu Zé e este, sem receber dos fregueses, e sem capital para renovar o estoque, quebrou.

O banco, então, descobriu que vários outros bancos tiveram a mesma ideia e que milhares de caderninhos tinham se transformado em siglas financeiras.

Todos cortaram os adiantamentos e correram para as seguradoras, onde tinham hipotecado as suas operações, para o caso de dar algo errado.

As seguradoras não tiveram como arcar com os prejuízos de uma só vez e quebraram junto com os bancos.

O pessoal que comprou os títulos lastreados nos caderninhos, ao descobrir que poderiam perder o investimento, correu para salvar as finanças, mas os bancos não tinham como saldar porque os botecos haviam ido à falência.

Nestas alturas, mesmo quem comprou ações de lastro sério, seguindo a linha do seguro morreu de velho e o desconfiado ficou, correu para vender as suas posições, o que fez com que todas as ações despencassem.

E aí, todo mundo que tinha depósito em bancos, com medo da quebradeira, começou a sacar o dinheiro para guardar em casa e todo o sistema financeiro começou a implodir.

Como o dólar, apesar de tudo, ainda é uma moeda confiável, o resto do mundo começou a comprar dólar o que lhe fez o preço disparar.

Para consertar o estrago causado não resta alternativa a não ser o contribuinte, que nunca comprou nos botecos dos zés da vida, pagar a conta.

Estimam os analistas mais experientes, que a soma de todos os caderninhos que tiveram os seus valores inflados pelo mercado financeiro chega a 10 trilhões de dólares: é exatamente isto que os governos terão que repor para pagar a farra que não fizemos.