26 de mai. de 2008

Marina e etc…

tacho[1] A ex-ministra Marina Silva era a consciência ambiental do governo Lula. Seus feitos foram muito mais simbólicos que práticos, já que o governo não tinha maior interesse em facilitar-lhe a agenda.

O nó górdio do desenvolvimento sustentável ainda permanece e, ao que parece, não é o performático Ministro Minc que se credencia a desatá-lo.

Ensaia o golpe no nó, o caricato Ministro do Núcleo de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, o enfant gate do agrobusiness e dos madeireiros.

Mr. Unger tem levado a turma do corte raso ao êxtase por onde passa, a alardear o tal Programa Amazônia Sustentável.

O nosso mais novo bwana tem repetido o que todo mundo está casando de ouvir Amazônia adentro: “é preciso buscar um equilíbrio entre a preservação ambiental e um desenvolvimento econômico da região”.

Mas, isto dito com sotaque harvardiano soa totalmente original. Assim como original soa, na voz de Mr. Unger, a velha sinfonia nunca executada do zoneamento ecológico e econômico.

Mr. Unger também vê a urgente necessidade de alterar o arcabouço jurídico a fim de simplificar o direito à propriedade privada na Amazônia.

Ele não explica como seria esta simplificação. Talvez, para o geral contentamento da sua platéia, fosse pertinente uma anistia ampla, geral e irrestrita aos grileiros.

Enquanto o Ministro Minc coloca a boca nos cotovelos e desenvolve o seu samba de breque, mandando os poluidores tremerem de medo e dando saudações ecológicas, o desmatamento continua lépido e faceiro: os novos levantamentos não são animadores.

Na esteira do Governador Blairo Maggi, o rei da soja, Mr. Unger avisa que “é impossível manter a região como um santuário, sem desenvolver ações produtivas, assim como é necessário conter os avanços depredatórios”.

Ele não deixa claro como se faz isto, quem vai pagar a conta do feitor e nem perde tempo elaborando cenários para as suas alternativas amazônicas.

Não nos conta, também, como, quando e onde, as tais indústrias se instalarão na Amazônia, para, enfim, nos tirar da idade do facão.

Mr. Unger tem idéias agradáveis, mas nada originais: tudo o que ele gagueja, já temos ouvido e dito, parafraseando Vandré, nas escolas, nas ruas, nos campos e nas construções.

Quem elaborou este PAS, afinal? Não seria mais produtivo começar a investir em ciência e tecnologia na Amazônia? Destinar para isto algo em torno de R$100 bilhões?

É isto que irá dar o ponto do doce que há muito vem sendo mexido por quem sabe e quem nunca viu a Amazônia: menos discurso e mais recurso.

Enquanto estivermos no cacarejo deste pessoal que vem para cá fazer mais do mesmo, achando que está sendo original, parafraseando Caetano, motos e fuscas vão continuar avançado os sinas vermelhos e perdendo os verdes: somos uns boçais.

19 de mai. de 2008

Santa de casa

Marina Silva A leitura da imprensa internacional depreende uma certeza neste caso da renúncia da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva: ao largo das conseqüências à política interna ambiental, o Brasil perdeu uma valiosa grife na condução da política ambiental externa.

O The New York Times destacou a saída da Senadora Silva frisando um ponto que ela mesma pinçou para justificar a retirada: "a estagnação do governo, pressionado a cancelar medidas contra o desmatamento."

Segue o The New York Times que a saída de Marina "chocou a comunidade ambiental internacional, alarmou organizações não-governamentais do Brasil e surpreendeu o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tomou posse em 2003 sendo saudado como o primeiro presidente verde do país".

Ao final  o jornal pondera que o "retrospecto que Marina Silva estabeleceu para o Brasil deu ao país credibilidade internacional e permitiu a Lula se tornar um novo participante nas negociações globais sobre a mudança climática".

No Reino Unido, no The Independent, lido em todo o Império Britânico e parte do Oriente Próximo, a ex-ministra ocupou toda uma página.

O jornal classificou-lhe a saída como um "golpe para o futuro do planeta" e apontou-a como "uma voz solitária no governo brasileiro, derrotada em votações como a introdução de grãos geneticamente modificados, a construção de uma nova usina nuclear e em projetos maciços de infra-estrutura".

Na França, o Le Monde, que também cobre o Marrocos e as ex-colônias francófonas, lavrou que Marina "acumulou diferenças com os fazendeiros, principalmente o maior produtor de soja do país, Blairo Maggi, governador do Mato Grosso, o que teria, com o passar do tempo, provocado o desagrado do presidente Lula."

O El País, na Espanha, foi na mesma linha do Le Monde e finaliza a reportagem de página inteira, com as explicações dos fatos que enfraqueceram a ex-ministra, fechando o texto com a constatação de que o Presidente Lula, deu "as costas à maior defensora da Amazônia."

Na Alemanha a Der Spiegel, maior revista de circulação no país, lamenta a saída de Marina e afirma que ela colocou o Brasil na agenda ambiental mundial.

Finalmente, a maior e mais respeitada publicação econômica do planeta, a revista britânica Economist diz que a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente tornará mais difícil para o governo Lula "convencer os observadores da Amazônia de sua determinação de reduzir o ritmo de desmatamento".

A Economist enumera os fatos que levaram à saída de Marina e entre eles frisa as derrotas nas disputa com Dilma Rousseff em torno das licenças ambientais para as hidrelétricas do Rio Madeira e a polêmica com o Ministério da Agricultura sobre uso de terras amazônicas para plantação.

O texto menciona ainda como fatores que contribuíram para demissão de Marina Silva a aprovação do plantio de vegetais transgênicos e a indicação de Roberto Mangabeira Unger como coordenador do Programa Amazônia Sustentável.

O britânico The Herald Tribune, faz coro com as analises da Economist e diz que o saldo de Marina é altamente positivo e a sua saída neste momento "mantém sua reputação intacta".

12 de mai. de 2008

Tribunal do Júri

juri[1] O Professor Aldebaro Klautau foi um destes educadores que podiam ser chamados de mestre.

Nas suas aulas de Direito Penal, contava uma história que com ele se passara.

Era assistente da acusação de um homem que houvera cometido um assassinato e esmerou-se na missão de condenar o réu, que exercia a profissão de barbeiro, conforme descrevia os autos.

Para surpresa de todos, ao final, o Júri decidiu pela absolvição por 6 votos a 1.

Nada restava a não ser aceitar ou recorrer da sentença que o Presidente do Tribunal do Júri prolatara, adstrito à soberania do Corpo de Jurados.

O Mestre Aldebaro saiu desejoso de saber quem, dentre os 07, lhe houvera dado ouvidos e votara pela condenação, que, a seu ver, seria de justiça.

Um ano se passou. O Mestre Aldebaro, certo dia, enquanto aguardava transporte para a ilha de Mosqueiro, foi abordado por um senhor que, o cumprimentando, lembrou-lhe ter sido um dos jurados daquele fatídico julgamento em que não se fizera justiça e o criminoso fora absolvido.

Os olhos do professor brilharam quando o homem disse:

- Eu fui o único que votei pela condenação, doutor.

- O senhor, então, entendeu as minhas razões? Percebeu que aquele homem jamais poderia ter sido absolvido devido às provas contundentes que foram expostas?

- Que nada, doutor, desde o começo, na hora que eu ouvi que aquele desgraçado era barbeiro, eu não mais quis saber do resto e só esperei a hora de condenar o patife.

O Mestre Aldebaro se espantou:

- Por quê? Qual a ligação entre a profissão do réu e a sua convicção em condená-lo?

- Eu detesto todos os barbeiros, doutor: a minha mulher fugiu com um.

O que se deu com o Professor Aldebaro não desqualifica o instituto do Tribunal do Júri, todavia, é um índice para que se compreenda o alto grau de equívoco a que esta forma judiciária pode estar incorrida, caso não sofra algum tipo de atualização.

A recente absolvição daquele que vinha sendo apontado como o mandante do assassinato da Freira Dorothy Stang é uma destas surpresas que apronta o Tribunal do Júri.

O Poder Judiciário não se exime do veredicto: o Tribunal do Júri é, constitucionalmente, parte integrante da Justiça, que já deveria ter aberto um debate institucional sobre a arcaicidade do instituto.

É necessária a preservação do núcleo histórico democrático do Júri Popular, mas, devido ao avanço a que chegou o Direito e o cuidado que o Estado deve ter para aplicá-lo, não mais deve ser tão aleatória a escolha daqueles que irão, de forma direta, dizer a justiça pela República.

Quanto menos formação e informação geral se exigir dos jurados, maior será a probabilidade de a República absolver culpados, ou o pior dos mundos, condenar inocentes.

Mas, à bem da prudência, devemos ser cautelosos nos arroubos de fazer justiça e, em não tendo sido ela dita da forma que esperávamos, socar a boca de quem a proferiu.

Embora as regras sejam elaboradas de forma científica, a justiça é um jogo que vence quem se colocou melhor e com mais discernimento na mesa.

Não servem, portanto, as decisões do Tribunal do Júri, pelas suas peculiaridades, para avaliações precipitadas sobre o Poder Judiciário.

5 de mai. de 2008

Futuros heróis

serraouro[1] Na semana que passou O Liberal publicou entrevista com o Presidente do Sindicato da Indústria Madeireira do Sudoeste do Pará, Luiz Tremonte, que traduziu o sentimento da classe que ele representa: revolta e indignação com a postura da República no combate ao desmatamento da Amazônia.

Quis o entrevistado, na sua pose monocromática, dar textura verde ao retrato: afirmou que os madeireiros são os guardiões da floresta.

Também, no meio da bílis que destilava, o Sr. Tremonte emprestou de Nostradamus a prerrogativa de prever o futuro e ousou: “um dia, os madeireiros serão taxados como os heróis da Amazônia.”

Explicou o porquê da sua centúria: “Nós não fazemos corte raso, não colocamos fogo e muito menos devastamos, pois a floresta em pé é nossa sobrevivência”.

Peço vênia ao Sr. Tremonte para fazer uma observação: já que a floresta em pé é o que os mantêm vivos, deveriam então, os madeireiros, estarem já todos falecidos, pois eles já derrubaram árvores suficientes para o suicídio amplo da categoria.

Como o jogador sem boas cartas, cujo melhor artifício é o blefe, o Sr. Tremonte desfilou bravatas em forma de desafios, : “Fechem todas as madeireiras, mas fechem mesmo. Por um ano, continuem pagando os salários dos funcionários para que não haja desemprego, indenizem os proprietários e garanto, com toda segurança e sem medo de errar, que o desmatamento aumentará.”

Ele quer uma indenização. Será que no cálculo desta verba deveria estar a composição do heroísmo futuro e a paga por serem os guardiões da floresta?

Embora seja o óbvio, o Sr. Tremonte observa uma verdade: “O culpado pelo desmatamento é o próprio governo que não tem como controlá-lo e inibi-lo; só chega depois que a floresta está no chão.”

É verdade que a República, por omissão e má condução da política florestal tem o maior débito nesta contabilidade: deixou os guardiões da floresta lançarem mãos aos ferros, e, sob o fundamento insustentável de exploração de riquezas e geração de oportunidades, consentiu com a maior devastação florestal da história.

O esquisito é que quando a cavalaria chega, mesmo tarde, para remediar, ainda aparecem republicanos querendo derrubar a guarda dos alazões, ou seja, bom mesmo é que o Governo continue omisso e toque harpa enquanto a floresta arde e cai.

É isto que eu chamo de estoicismo cínico: é preciso que o Governo combata o desmatamento, desde que não mexa com as minhas serrarias.

O Sr. Tremonte resvala de vez para o pântano quando previne para as possibilidades de revoltas de desvalidos e derramamento de sangue, porque o Governo, sem mais nem menos, resolveu cumprir a lei.

Ele não esclareceu, na hipótese, de quem será o sangue prestes a jorrar, mas, nesta coluna de sangue derramado, ao que tenho visto, desde que foram rompidas as fronteiras da Amazônia pelas motosserras, mais veias foram abertas do lado do povo que os tais guardiões da floresta querem agora se valer para continuarem a fazer os seus devidos cortes não rasos.

Os madeireiros, neste grave momento em que vivem, quando se mudam paradigmas sob os quais se erigiu a classe, deveriam prescindir de manifestações da lavra do Sr. Tremonte: ele tripudia da inteligência do leitor ao achar que alguém vai comprar qualquer linha das polissindéticas orações ali cometidas.