24 de nov. de 2008

O certo por linhas retas

certoerrado Meu pai, um caboclo do baixo Tocantins, sempre que me pegava em traquinagens de menino, depois de umas raras bordoadas, aplicava-me um ralho contumaz: “rapaz, procure sempre fazer a coisa certa”.

Depois de crescido e meu pai ido, sempre que saio da linha, alguma mão pesada pousa sobre os meus ombros para tomar satisfações.

As mais recentes apurações feitas pela Polícia Federal, no desenrolar da Operação Satiagraha, demonstram que tanto o Delegado Protógenes, o investigador, quanto Daniel Dantas, o investigado, tendem a ser o mesmo lado de uma mesma moeda: usaram artifícios criminosos nos seus devidos intentos.

Nenhum merece a condescendência da República: o Senhor Dantas porque, sem dúvida, praticou cada delito apontado no relatório final do Delegado Protógenes. Este, porque lançou mão de artifícios ilegais para apurar o que no relatório lavrou, esquecendo que aquele adágio de escrever certo por linhas tortas só vale para Deus.

Para se ter uma idéia do arsenal de ilegalidades cometidas pelo Delegado Protógenes para enjaular o Senhor Dantas, está constatado que mais de 60 servidores da ABIN atuaram na operação, inclusive no episódio do monitoramento do gabinete do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, o que vem a ser espionagem clandestina.

Usar o aparelhamento de informação do Estado para fins de espionagem clandestina é comum em regimes de exceção e foi muito usado por Stalin e Hitler: é crime de lesa cidadania em uma República como a brasileira.

As apurações da PF desmentem o Delegado Protógenes. Ele afirmou à CPI que apura as irregularidades da  Satiagraha, ter havido apenas pequena colaboração de agentes da ABIN no levantamento de dados, o que já seria uma ilegalidade, pois a ABIN não tem como missão institucional tal prerrogativa.

Outra versão do Delegado Protógenes que se esvai é a afirmação, também por ele feita à CPI, de que a Satiagraha não tinha recursos para operar e por isto tinha que pedir ajuda à ABIN: a Polícia Federal revelou que esta foi a maior e mais cara missão até hoje feita pela instituição, e custou cerca de meio milhão de reais aos cofres públicos.

O pior de tudo é que na esteira das irregularidades do Delegado Protógenes, no afã de escrever certo por linhas tortas, tornou-se imprestável o inquérito: este fatalmente deverá ser anulado, dando tempo ao Senhor Dantas de destruir provas e reorganizar circunstâncias que o beneficiarão em futuras investigações.

Perdeu, imediatamente, a República, uma ótima oportunidade de fazer justiça, por desvio de conduta de um preposto seu, no caso o Delegado Protógenes.

Fica, no episódio, a ratificação de que, pelo menos no nível de simples mortais, que só podemos escrever certo se as linhas não forem tortas.

Não pode haver, portanto, exceção para delegados, juízes, ou quem quer que seja.

Por mais nobres que possam ser os fins, eles não se justificam se os meios foram procedidos em desacordo com as regras, que, em um Estado de Direito, devem valer para todos.

17 de nov. de 2008

Barak Obama

Barak Obama Barack Hussein Obama, 47 anos, foi eleito o homem mais poderoso do mundo: os EUA, destarte a crise econômica que enfrentam, são, de longe, a maior potência militar e econômica do planeta.

Obama é o 44º presidente dos EUA, o primeiro negro a ocupar a Casa Branca e a mais bem acabada obra da globalização racial que caracteriza os EUA: nascido em Honolulu,  filho de um mulçumano negro do Quênia com uma norte-americana do Sul dos EUA, passou  a infância com o padrasto na Indonésia, de onde partiu para o Havaí para morar com os avôs maternos.

Desde o assassinato de John Kennedy, o mundo nunca sofreu tal processo de mesmerização com um político norte-americano:  a torcida pela vitória de Obama foi planetária e a comemoração dela foi multirracial.

Engana-se quem pensa que Obama foi eleito pelos negros norte-americanos: eles são apenas 17% da população. A maioria dos eleitores de Obama foram os brancos, que quiseram dar uma mensagem ao mundo.

Tal mensagem se traduziu em um trecho do discurso da vitória: “Se existe alguém que ainda duvide que os Estados Unidos sejam o lugar onde todas as coisas são possíveis, que ainda questione a força de nossa democracia, a resposta está aqui esta noite”.

Neste trecho estava uma perfeita tradução do conceito de autoridade moral, baseada na igualdade de oportunidades, escrita por Thomas Jefferson, John Adams e Benjamin Franklin quando, em 1776, lavraram a Constituição do EUA.

Engana-se, também, quem pensa que Obama surgiu do nada para ocupar a Casa Branca: arou, um a um, os méritos que o credenciaram para entrar lá.

Sua origem afro-americana não foi óbice para a sua formação: é graduado em Ciências Políticas pela Universidade Columbia, em New York, de onde saiu para cursar Direito na Universidade de Harvard, a primeira no ranking norte-americano, onde se graduou em 1991.

Seu desempenho em Harvard foi excepcional: tornou-se o primeiro afro-americano a presidir a renomada Harvard Law Review.

De Harvard partiu para Chicago, onde freqüentou uma das mais ricas firmas de advocacia da cidade e atuou como advogado voluntário na defesa de direitos civis, o que lhe credenciou ser eleito, em 1996, Senador do Estado de Illinois.

Claro fique que este mandato não era o de Senador dos EUA, que ele conquistou mais tarde: alguns estados nos EUA são bicamerais, ou seja, têm uma Assembléia Legislativa e um Senado.

Obama, também, até 2004, quando se elegeu Senador dos EUA, com 70% dos votos do Estado de Illinois, foi professor de Direito Constitucional na Escola de Direito da Universidade de Chicago, a segunda no ranking norte-americano.

Sua biografia, portanto, longe de afastá-lo do cargo ao qual concorria, aproximou-o dele.

Não se espera que Obama venha a arrefecer o ímpeto da globalização militar e econômica dos EUA: isto faz parte da índole estadunidense e da agenda de Washington desde o primeiro Presidente.

Todavia, espera-se que, do alto da legitimidade global que conquistou, desincumba-se bem da agenda que preparou para o seu mandato.

Esta agenda inclui uma política agressiva para tirar os EUA, e o mundo, da crise econômica atual, passa pela revisão de acordos militares e comercias com diversos países, e pousa em uma política menos agressiva e mais conseqüente com o Oriente Médio, que acaba sendo o foco de maior tensão da política externa, com profundas repercussões no cotidiano dos EUA.

10 de nov. de 2008

Michelle Obama

mobama[1] Os EUA mais uma vez se consolidam como a  mais estável democracia do globo ao eleger Barak Obama para presidente.

Obama era o único Senador negro desta legislatura. Tornou-se o primeiro presidente negro dos EUA.

Os jornais do mundo destacam o fato e evidenciam Obama como um marco para a América.

O Le Monde, não obstante, em matéria de Corine Lesnes, dedicou a sua edição política deste domingo para Michelle Obama, a primeira mulher negra a ocupar a Casa Branca.

A Senhora Obama, 1,82 m de altura e 44 anos, como o seu esposo, formou-se  na mais renomada escola de direito dos EUA: a Universidade Harvard. Antes, já passara pela não menos renomada Universidade de Princeton, onde se formou em sociologia.

A sua tese de conclusão em Princeton tratou da divisão racial, definindo a maneira como estudantes negros incorporam “a estrutura social e cultural branca", perdendo a identificação com a sua comunidade de origem.

Como a tese tratava um tema controverso, Barak Obama solicitou que Princeton não a publicasse no período da campanha presidencial.

A imprensa pressionou e Michelle decidiu permitir a publicação: o texto revela uma jovem cética, quase amarga, com a sociedade americana branca.

Michelle concluía que o seu diploma na universidade permitiria que ela se instalasse "na periferia da sociedade", da qual "jamais viria a ser participante plena".

A carreira profissional de Michelle foi desmistificando, pelo menos sobre ela, a tese que assinara e, por fim, o resultado da eleição presidencial destruiu-lhe a lavra: ela está agora no centro do planeta.

Perguntada sobre a situação ela não perdeu a pose: "Sou uma singularidade estatística - uma mulher negra do South Side, não deveria estar onde estou".

Ela não está de todo equivocada: cresceu no South Side, a área negra no Sul de Chicago, mais ou menos equivalente ao Harlem em New York.

Seu pai era um funcionário público municipal que, mesmo com esclerose múltipla, tinha que trabalhar para compor a renda familiar. Sua mãe era secretária e cuidava da casa ao mesmo tempo.

Mas, para compensar, o casal Obama possui grau de formação acima da média americana, o que tem caracterizado os  inquilinos da Casa Branca.

A Senhora Obama, desde Harvard, percorreu o caminho comum da “elite branca" americana: tornou-se advogada de um dos grandes escritórios de Chicago, onde, em 1989, foi encarregada de cuidar de um estagiário recém-chegado, também de Harvard: Barack Obama.

Foi pelas mãos de Michelle que Barack Obama, que não tinha elos em Chicago, deitou raízes em um dos maiores colégios eleitorais da cidade: o South Side.

Os críticos dos Obama afirmam que eles tiveram as oportunidades que alegam não terem os negros na América: o Chicago Tribune, durante a campanha, publicou a renda anual da Senhora Obama: US$317 mil.

O mundo espera que o casal Obama ajude a contar a história dos EUA. Menos com armas e mais com os ideais que fizeram da América a terra dos sonhos e oportunidades de todos aqueles que ainda hoje a buscam.

3 de nov. de 2008

Com a mão no clima

pbear[1]

Na década de 60, na esteira de um relatório ambiental elaborado pelo MIT, a ONU criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, para discutir e propor meios de harmonizar o desenvolvimento econômico com a conservação ambiental.

Aproveitando os conceitos do relatório do MIT, intitulado Os Limites do Crescimento, a comissão cunhou a expressão desenvolvimento sustentável definindo-o como aquele capaz de suprir as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades do futuro. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro.

O debate em torno do desenvolvimento sustentável tem gerado atitudes descrentes em uns e movimentos angustiantes em outros.

A harmonia é cara e ainda não há consciência sociopolítica adequada ao pagamento da conta: enquanto não vem a liquidação do preço, a passeata dos ambientalistas vai perdendo espaço.

O planeta tem 11,4 bilhões de hectares onde é possível produzir com sustentabilidade: um quarto da superfície da Terra.

Nos três quartos restantes, qualquer tipo de atividade não é renovável, ou seja, não atende à definição de sustentabilidade.

Dados compilados pela WWF indicam que a humanidade já está usando o equivalente a 13,7 bilhões de hectares para produzir alimentos, água, energia e bens de consumo.

A diferença, 2,3 bilhões de hectares, ou cerca de 20%, alcança os estoques naturais não renováveis: isto configura uma crise ambiental mundial, pois o desequilíbrio da equação da sustentabilidade reduz irremediavelmente a qualidade de vida das gerações futuras.

Como os ecossistemas terrestres são inextricavelmente interligados, e a mudança climática é a primeira reação do planeta à insustentabilidade, as pesquisas se têm centrado principalmente neste campo.

Na semana que passou, publicou-se a conclusão de estudos realizados por pesquisadores do Reino Unido, Japão e Estados Unidos sobre mudanças climáticas.

A pergunta era: A ação do homem tem colaborado decisivamente nas mudanças climáticas detectadas nas últimas décadas no Ártico e na Antártica?

A resposta foi absolutamente positiva: está comprovado, pela primeira vez, que a ação do homem - como a queima de combustíveis fósseis e a emissão de gases do efeito estufa por indústrias e queimadas - é, de fato, a responsável pelo aumento das temperaturas daqueles continentes.

Ora, se é no Ártico e na Antártica, o que o resto do mundo tem com isto? Temos tudo com isto: mudanças climáticas nestes dois pólos mudam radicalmente o clima no resto do mundo.

O estudo, feito através de quatro modelos de simulação, usando supercomputadores alimentados com extensos registros da temperatura na superfície destes continentes, comprovam que a elevação da temperatura nos mesmos não são proporcionais às variações climáticas naturais e devem ser atribuídas diretamente à ação humana.

A economia não precisa parar de produzir e nem a sociedade precisa parar de consumir. Os paradigmas de produção e consumo é que precisam de novas tecnologias que atendam aos limites do planeta, ou a realidade mediata poderá ficar tão negativamente fantástica quanto algumas ficções cinematográficas.