25 de fev. de 2008

PC na escola

Lula e o UCA: um lamentável equívoco. Quando Mr. Negroponte, fundador do MediaLab, lançou o projeto de um laptop por aluno, ousei escrever um artigo rejeitando a idéia como impertinente.

A revista VEJA da semana passada, apresentando o ranking dos países com alunos mais preparados no ensino básico e fundamental no mundo, apresentou a Finlândia no topo da lista.

A Finlândia tem escolas simples e não adotou o programa de um computador por aluno: investe na formação dos professores, que, aliás, não são os mais bem pagos do mundo, o que, também, desmistifica o dito de que salários altos são corolário de boa produtividade.

Coincide com a matéria da VEJA, a publicação, pela UNICAMP, de uma pesquisa sobre o uso de PCs nas escolas: conclui a pesquisa que o uso intenso de PCs piora o desempenho escolar.

As revelações da pesquisa são desconcertantes para quem defende a computadorização das escolas: os estudantes que disseram sempre usar o computador, independente da classe social ou disciplina, tiveram desempenho pior do que aqueles que nunca usaram.

“Os resultados mostraram, por exemplo, que na 4ª série os estudantes de classe alta que raramente usaram o computador para as tarefas tiveram, em média, 15 pontos a menos do que os que nunca o fizeram, tanto em português quanto em matemática”, diz a pesquisa.

Prossegue a pesquisa que “entre os alunos mais pobres que usaram computador, mesmo que raramente, houve uma piora mais acentuada nas notas em relação aos estudantes que nunca usaram PCs”.

Os dados utilizados pelos pesquisadores foram os do Sistema de Avaliação da Educação Básica, aplicado em todo o Brasil a alunos de 4ª a e 8ª  séries do fundamental e da 3ª série do ensino médio.

O MEC dever-se-ia debruçar na pesquisa antes de levar em frente, pela segunda vez, a licitação de 150 mil notebooks de baixo custo para distribuir a alunos do ensino fundamental de 300 escolas do país.

Luiz Aquino, assessor da Presidência da República, que coordena o dito projeto, ao ser indagado sobre os resultados da pesquisa da UNICAMP, disse que seguirá em frente e medirá o desempenho dos alunos após o uso das máquinas, “piora eu tenho certeza que não vai acontecer. Nosso modelo é diferente", disse Aquino: a priori, então, acha ele que os pesquisadores leram os dados errados.

Na conclusão, a pesquisa aconselha que os "resultados devem inspirar profundas interrogações entre todos aqueles que apóiam o uso de computadores no sistema escolar".

Jacques Wainer, um dos coordenadores da pesquisa, arrisca que "como o computador é bom para nós, professores, por exemplo, tendemos a achar que ele é útil para todos. Mas ele não é uma solução mágica para a educação".

Pelo andar dos bits, pode até o projeto Um Computador por Aluno não ser uma solução para a educação, mas, com certeza, o é para quem ganhar as licitações.

Você por ler aqui a pesquisa na íntegra.

18 de fev. de 2008

Desengajamento democrático

murro[1] Os cientistas políticos britânicos, Paul Skidmore e Kirsten Bound acabam de publicar, no site da Demos, um ensaio que versa sobre a crise do sistema democrático nas economias avançadas.

Afirmam que a distância entre o povo e os políticos tem aumentado nas democracias européias: os cidadãos europeus estão cada vez mais céticos e exigentes com os governos, o que gera o que chamam de "crise de desengajamento".

Um dos índices do trabalho foi a constatação de que a filiação partidária nas democracias da Europa Ocidental caiu pela metade nos últimos 20 anos e, a partir dos anos 70, a confiança dos britânicos no governo caiu pela metade de sua média histórica.

A queda de confiança no governo é mais rápida na Itália. O fenômeno se repete na Áustria e Alemanha, e, para minha surpresa, Suécia e Finlândia têm curva de queda similar: reputo as democracias escandinavas as mais avançadas do planeta.

Sugerem os autores que esta “ubiqüidade da tendência em sociedades e sistemas políticos tão diferentes ressalta a principal objeção à sabedoria convencional sobre o desengajamento democrático”.

Ficou claro na assertiva que eles decretam a morte dos teoremas atuais para dar solução ao fenômeno do desengajamento democrático.

Depreendem os autores que o desengajamento democrático não pode ser medido na proporção do desempenho governamental: os dados provam que os governos atuais são hoje mais eficientes que as suas gerações anteriores. O desempenho dos governos melhorou.

Pergunta, o silogismo do ensaio: “se o desempenho de políticos ou instituições políticas em particular, ou a saliência de crises específicas, não é a raiz do problema, qual é?”

Responde, ele mesmo, a seguir: “Uma categoria mais plausível de explicação aponta as origens do desengajamento político na crescente riqueza e desenvolvimento econômico nas democracias maduras, e as amplas mudanças nos valores sociais que isto provocou”.

Ou seja, os autores não aponta o dedo da culpa na direção dos políticos, mas, os contextualizam na raiz do diagnóstico: o grau de exigência dos cidadãos aumentou e os políticos e as políticas convencionais não estão conseguindo responde-las em um modelo democrático convencional.

Segundo os autores, ainda na linha de dissertação do diagnóstico do desengajamento, “os cidadãos estão mais acostumados a se virarem sozinhos. Eles têm mais liberdade do que a geração anterior sobre que empregos escolher, onde viver ou para onde viajar, sobre os bens que compram e a comida que comem, mesmo por quem se apaixonam. É fácil desprezar isto como consumismo, mas reflete um desejo por maior autonomia e liberdade de expressão: um desejo que está na raiz de muitos dos projetos da esquerda e da direita há um século”.

Completa o ensaio que ao cidadão não mais interessa exclusivamente a satisfação das suas necessidade básicas como dantes estas eram conceituadas: ele quer a presença do Estado em outras atividades e conceitos antes inexistentes na agenda cotidiana da nação.

Estes outros conceitos e necessidades são denominados como preocupações pós materialistas, como por exemplo, a agenda ambiental e a busca de identidade social.

Os governos, acostumados e limitados a lidar com uma sociedade de consumo pura e simples não conseguiram ainda montar uma agenda que inclua, de forma eficiente, questões mais complexas que o equacionamento de impostos: está mais complicado proporcionar felicidade às pessoas.

Um outro ponto interessante evidenciado no trabalho, para compor a tese do desengajamento democrático, é o que o autores chamam de "declínio da deferência": o respeito da maioria das pessoas pelas formas tradicionais de autoridade pública diminuiu.

Afirmam que “isto poderia ser menos problemático se fosse acompanhado por um declínio das expectativas em relação ao que a autoridade pública pode fazer. Mas na verdade ocorre o inverso: nós esperamos mais, e não menos, do governo”.

Finalmente, depositam a derradeira pedra na sopa do desengajamento ao afirmar que o cidadão moderno constrói um modelo no qual a valorização da contestação ao governo é que faz acontecerem as mudanças sociais: “o progresso vem da contestação do sistema e não por meio dele”.

Concluem que este caldo aponta para um paradoxo: quanto mais os cidadãos consolidam os seus laços com a democracia maior é a decepção deles com ela.

Há pontos no trabalho que guardam alguma similaridade com o Brasil, todavia, por aqui a questão é mais complexa.

Ao mesmo tempo em que estamos com uma agenda pós materialista parecida, ainda precisamos prover saneamento básico para mais da metade do país, ou seja, os políticos e o povo, por aqui, estão com o cobertor curto, embora, é claro, alguns prefiram afirmar que o povo não tem cobertor algum.

Baixe aqui o  trabalho completo, em inglês.

11 de fev. de 2008

Às tantas quanto

Deja vu - Joel Biroco. Clique na imagem para seguir o link. Minha parca visão me tem levado a crer em um axioma que erigi: governos não têm partidos ou ideologias, mas, circunstâncias e conveniências.

É possível ver diferenças em uma agremiação partidária, ou no comportamento pessoal de um líder, quando estes não estão adstritos ao império de um governo, ou seja, quando não estão no poder.

Uma vez lá, o organismo burocrático toma conta da alma do ungido e o governo passa a fazê-lo servir aos interesses da máquina do Estado, que nem sempre tem os mesmos objetivos da nação e quase nunca age conforme os ideais desta.

O prelúdio foi para falar sobre os cartões corporativos, assinados com a finalidade de tornar mais ágil a máquina estatal e, por conveniência, controlar as despesas dos agentes públicos com mais efetividade.

O organismo burocrático, todavia, é de difícil controle, mormente em repúblicas incipientes como a nossa, onde só há pouco tempo se tem dado à nação conhecimento de seus custos e a forma como eles são compostos.

Para não cairmos naquela situação cretina do marido que vendeu o sofá porque flagrou a esposa o traindo nele, não se deve dar a conotação de que o objeto dos cartões corporativos não é conveniente: o que deve ser avaliado a fundo são as circunstâncias em que eles estão sendo usados e quem deles está usufruindo.

O governo, ao invés de urgir para esconder o uso do cartão corporativo, deveria, a proveito do amadurecimento democrático, corrigir-lhe o mau uso e continuar oferecendo à nação a transparência que a deixou ver os abusos: a melhor forma de fiscalização é o controle social.

Não se deve esperar que o movimento da máquina estatal seja feito por romantismo: ela tem custos altos.

O que se deve perseguir são os resultados obtidos com eficiência, para que possamos cotejar os benefícios, e somente então avaliar se foi desperdício ou não do erário um funcionário público ter tomado uma cerveja à custa do contribuinte, enquanto em missão a serviço deste.

Comporta-se com maniqueísmo, como quase sempre nestas circunstâncias, a oposição, ao querer fazer do episódio de mau uso dos cartões corporativos uma CPI, e com absoluto cinismo ao querer restringi-la ao mandato do atual Presidente da República.

Não interessa à oposição regressões de CPIs a vidas passadas, por ter ela, como eu, a certeza daquilo que afirmo no início: ressalvadas as particularidades de estilo, os acertos dos mais diferentes governos podem até guardar algumas diferenças, mas, nos erros, todos guardam similitudes.

4 de fev. de 2008

Capitalismo criativo

Bill e Melinda, durante trabalhos da Fundação Bill & Melinda Gates, na África. Acabo de assistir a palestra proferida por Bill Gates, durante a reunião anual do Fórum Mundial Econômico, em uma sessão intitulada “Uma nova abordagem para o capitalismo no século 21”.

Se não fosse o próprio Bill Gates a falar, e se eu não estivesse lendo o enorme dístico ao fundo, dizendo que aquilo era o Fórum Econômico Mundial, eu poderia concluir que a fala era de algum líder de esquerda a se pronunciar no Fórum Social Mundial.

Um dos três homens mais ricos do mundo, presidente e sócio fundador da Microsoft, Gates pediu às empresas um capitalismo criativo com uma nova abordagem nos esforços para erradicar a pobreza global e as doenças.

Mr. Gates declarou que “o mundo está melhorando, mas não tão rápido quanto o necessário, e não na mesma intensidade para todos”.

Afirmou ainda, diante dos líderes da sociedade civil e empresários presentes, que "é preciso encontrar uma maneira para que os aspectos do modelo econômico sirvam aos ricos mas também aos pobres".

“Eu gosto de chamar isto de capitalismo criativo”, disse Gates, e sugeriu que “os CEOs devem dedicar parte do seu tempo para resolver os problemas das pessoas mais pobres do mundo”.

Ilustrando a sua fala, Gates citou o exemplo de uma parceria entre a Organização Mundial da Saúde e uma empresa farmacêutica da Índia, cujo nome eu não consegui entender, para vender vacinas contra a meningite à moradores pobres da África, por um preço bem menor que o cobrado pelos fabricantes de vacinas concorrentes.

Ele apontou que a expectativa de vida aumentou e os avanços na ciência melhoraram a qualidade de vida das pessoas, mas, enfatizou, que ainda há muitas coisas a serem feitas.

“Um bilhão de pessoas no mundo vive hoje com menos de 1 dólar por dia e não tem acesso à água potável, eletricidade e outros recursos básicos, e a cura da malária recebe menos atenção do que a cura para a calvície”, comentou Gates.

Avisou, ao final da fala, que aquela seria a sua última palestra como funcionário da Microsoft: ele irá se aposentar em junho deste ano, do seu posto em tempo integral da empresa, resumindo a sua presença às reuniões especiais do conselho.

Todavia, ponderou, não irá vestir o pijama e desfrutar da sua fortuna pessoal, que oscila entre a primeira e a segunda do planeta: vai dedicar-se integralmente, com a sua esposa, Melinda, aos trabalhos da entidade beneficente que fundaram, hoje uma das mais ricas do mundo, e que presta serviços humanitários em vários continentes, a Fundação Bill & Melinda Gates.