30 de abr. de 2007

O nome da madeira

mader[1]

A governadora Ana Júlia recebeu os madeireiros em audiência que fora providenciada no dia em que os mesmos subiram à tribuna da Assembléia Legislativa para denunciar a crise do setor.

Ninguém se manifestou contra a governadora recebê-los em Palácio, ao contrário do que ocorreu quando a Governadora foi a Eldorado dos Carajás ou quando o Lula colocou o boné do MST.

Ou seja, está combinado que os governantes podem receber, sem problemas, os que já conseguiram um lugar ao sol, mas, não deve se misturar com quem está tentando uma beirinha à luz do dia.

É fato que os métodos usados pelo MST e similares não são agradáveis e até tortos, todavia, tenho cá as minhas dúvidas: se o líder deles fosse o Mahatma Gandhi tudo que eles tinham conseguido até agora seriam cassetetes nos costados.

Voltando aos madeireiros, fui procurado por um Deputado, que, tendo lido o meu último artigo, achou por bem fazer-me alguns esclarecimentos que julguei de boa monta aqui enumerar, adaptando-lhe a fala ao texto que segue.

Coloca ele que não deve ser creditado somente à industria madeireira o passivo ambiental com o qual hoje o Pará se depara: outras atividades também contribuíram para isto e que a agropecuária avançou muito mais sobre a floresta que a indústria da madeira.

Alega também, o Deputado, que o aviltamento da mão de obra e a forma utilitarista como se relaciona o capital com o trabalho também não é atitude exclusiva da indústria madeireira e sim uma prática em toda a atividade capitalista.

Esclarece que todos os que saíram de seus estados de origem e procuraram o Pará para as diversas atividades que, de alguma forma, usam a terra ou a floresta como insumos, o fizeram por uma política expressa do Governo Federal, que os incentivou a povoar e explorar a Amazônia, em uma época que não havia a agenda ambiental que hoje permeia estes setores.

Que o mesmo governo, através do INCRA – e ora através do ITERPA, quando em áreas do Pará - nunca foi capaz de regularizar as propriedades das áreas usadas, destarte tenha sido isto demanda continua dos interessados em ter as suas situações regularizadas.

Que, devido exatamente a ausência dos setores institucionais na busca de regularizar a atividade madeireira, esta se foi instalando aos trancos dos empreenderes do setor que hoje se vêem na iminência de por termo à atividade, por não conseguirem cumprir a agenda que se implantou.

Que o setor quer fazer a coisa certa e sabe que fazer a coisa certa é a única garantia de continuar no ramo, mas, mais uma vez, o governo não dispõe de instrumentos para viabilizar a agenda com a celeridade que a atividade demanda, por não poderem parar para arrumar.

Que o reflorestamento é a redenção do setor madeireiro e todos estão dispostos a arregaçar as mangas para fazê-lo, mas, o Pará, devido à nova legislação das florestas, não tem aparelhamento estrutural suficiente para tocar a empreitada e não está sendo ágil o suficiente para enfrentar o desafio.

Por deferência ao Deputado, resolvi reproduzir-lhe a fala. Isto, todavia, não significa qualquer mudança na minha, com a qual, aliás, ele concordou, fazendo das suas razões não mais do que justificativas para o alegado, o que não isenta a atividade dos pecados que tem cometido.

Ao cabo, concordamos em um ponto: todos, Estado e madeireiros, precisam fazer a coisa certa.

Pelo visto, ao que se colheu da audiência com a Governadora, ela continua no intuito de não ceder ao grito e fazer a coisa certa.

Se esta for a atitude de todos, todos sairão vitoriosos.

23 de abr. de 2007

Que madeira é esta?

toras[1]

A Assembléia Legislativa foi palco, na quinta-feira, de uma das mais concorridas sessões especiais da sua história, para discutir a crise do setor madeireiro, que se arregimentou para fazer o mesmo discurso que se tornou recorrente nos últimos 10 anos.

Este deja vu vem se tornando mais incontornável à medida que o Pará cada vez mais se vê obrigado a cumprir a agenda da sustentabilidade.

O desespero do setor torna-se mais nervoso à medida que o discurso da geração de emprego, como núcleo semântico da justificativa da atividade, está encontrando limites na constatação de que não há sustentabilidade nela, na forma como a mesma insiste em se exercer.

Segundo cálculos do setor, mais de 20 mil postos de trabalho associados à atividade foram fechados no Pará, nos três primeiros meses de 2007. Segundo o IBGE, a indústria madeireira recuou 11,05% nos dois primeiros meses do ano.

Em 2006 o setor madeireiro contribuiu com 12,2% das exportações do Pará, com o valor de US$818,2 milhões, ficando em quarto lugar na pauta.

Estes números são suficientes para pautar atitudes do Estado que, sensível à força do setor, não cuidou de inverter o jogo e pautar a indústria rumo à sustentabilidade.

A simbiose do estado com o setor gerou a sopa de pedra que o atual governo herda e tem a missão de alquimiar em uma política florestal séria.

O recrudescimento da crise atual foi anunciado em 2003, quando a legislação pertinente sofreu alterações, mas o setor achou que resolveria os impasses com as mesmas pressões de sempre sobre os políticos de sempre, que tinham as atitudes de sempre.

Em 2006, a política do "de sempre" começou a fazer água com a edição da Lei de Concessão Florestal, que passou a gestão florestal para a competência dos estados, com responsabilidade compartilhada com o Ibama.

Nem a indústria madeireira e nem o Pará estão preparados para se submeter à legislação, por isto a transição está sendo dolorosa.

O Pará nunca se preocupou com a sustentabilidade dos setores exógenos aqui implantados, apenas fazendo questão de entrar na equação como o contabilista do PIB gerado, sem nunca ter feito a conta do passivo.

Neste diapasão, o setor madeireiro foi avançando sobre a floresta, e escondendo atrás do discurso do desenvolvimento e da geração do emprego, a degradação ambiental, o trabalho escravo, que coloca o Pará nas manchetes do mundo, a desordem do espaço urbano, o aviltamento do preço da mão de obra, a abertura de milhares de quilômetros de estradas ilegais e os danos causados nas legais, com o excesso de peso das toras sobre as carretas, para citar os mais óbvios.

As grandezas acima especificadas, se somadas e cotejadas em uma conta que nunca se ousou fazer, são maiores que a contribuição de 12% nas exportações e bem maiores que o que estas exportações agregam ao valor adicionado do Estado.

Da forma como o Pará tem deixado a serra cortar, está apenas trocando o zero por menos um e se tem alguém ganhando nesta história, não são os empregados que o setor afirma prover: para constatar isto basta dar uma olhada na diferença da casa grande para a senzala.

Isto não é um manifesto contra a atividade, mas um apelo para que se comece a fazer a coisa certa.

É possível a exploração industrial da Amazônia. É possível cortar madeira, tirar ferro e tudo quanto o engenho humana possa transformar em lucro.

Todavia, ao menos para fazer com que isto seja garantido por um tempo teoricamente indeterminado, temos que ser inteligentes o suficiente para não acabar com tudo como se fossemos morrer amanhã.

A sustentabilidade deve ser imperiosa em quaisquer atividades que doravante se pretenda exercer, pelo simples fato de que a humanidade chegou ao estágio de ter descoberto que é imortal à medida que se reproduz: não nos preocuparmos em como vão estar os recursos naturais daqui a 1000 anos é brutalidade contra os nossos descendentes.

Portanto, quem achar que sustentabilidade é coisa de ecologista que saia do ramo. Não há problema com os empregos: o Estado deve providenciar para que surja o mesmo número deles na plantação de árvores e não na derrubada utilitarista delas.

16 de abr. de 2007

César e Deus

A ansiedade da fé - Tim Warnock

Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (Mt 22,21)

Em seu livro, Jesus de Nazaré, a ser lançado em 16.04.07, o Papa Bento XVI transita por assuntos que foram caros à Santa Sé.

Se não quis o Sumo Pontífice transformar o conteúdo do livro em uma encíclica, retirando dele o princípio teológico da infalibilidade, é possível que venha, mais tarde, sistematizada a discussão que advirá, surgir a Carta versando sobre os pontos que guardam as entrelinhas do ensaio literário.

Manifesta-se o Papa, por exemplo, a respeito da divisão entre a Igreja e o Estado, através de uma opinião clara sobre o binômio fé e política, hoje tão banalizado no exercício da democracia.

Diz o livro, de forma clara, que a fé e a política devem ficar separados, ao afirmar que "a luta pela liberdade da Igreja, para que o reino de Jesus não seja identificado com nenhuma estrutura política, deve ser conduzida em todos os séculos".

Esta contenda entre a Igreja e o Estado, e o devido papel de cada um, ocupou, de fato, boa parte da história ocidental, à medida que uma e outro desejavam, absolutamente, dominar os súditos, através do Papa ou do Imperador.

Por mais de quatro séculos, entre o XI e o XV, foi intensa a polêmica na Europa Medieval entre os teólogos e pensadores que defendiam a proeminência do Papado e os que se posicionavam a favor do Império para a dominação dos povos.

A escolha entre Pedro ou César pautou toda a Idade Média, com incontestável vantagem para o primeiro, que era subsidiado pelo segundo, o qual, todavia, coroava, para que tivesse este, a prerrogativa do poder divino.

Ficou então combinada esta correspondência de interesses, corroborada por dogmas que misturavam e ratificavam os despotismos de ambos, diminuindo ou desaparecendo com os verdadeiros princípios da mitologia crística.

Venceu a tese, já nos estertores da Idade Média, de Marcilio de Pádua, tido como um dos precursores das modernas teorias a favor do Estado Secular, contra a ingerência do Religioso, em uma construção competente, a ponto de triunfar sobre as construções dialéticas dos doutores da igreja, dentre eles o espetacular Tomás de Aquino, autor da Suma Teológica.

Bento XVI, no livro em tela, coloca-se ao lado de Marcilio de Pádua e ratifica a divisão entre a Igreja e o Estado e, portanto, entre o exercício da fé e dinâmica da política, contrariando, agora, a orientação progressista de alguns membros da Igreja Católica.

Adverte, em seu livro, o Papa sobre a mistura de fé e política: "O Império Cristão tentou transformar a fé em fator político. A fraqueza da fé, a fraqueza terrena de Jesus, devia ser substituída pelo poder político e militar. Ao longo dos séculos, esta tentação se apresentou de formas diferentes, e a fé sempre correu o risco de ser sufocada pelo abraço do poder. A fusão entre fé e poder político tem sempre um preço".

Que preço a Igreja tem pagado ao não devolver a César a moeda que é dele e tentar comprar com ela alimento para o corpo, que deveria ser a parte do imperador, negligenciando o conforto da alma, que, segundo o Papa, é a parte de Deus?

Ou será que entre Marcilio de Pádua e Tomás de Aquino, há uma nova dialética que poderia ser o meio termo que o cidadão Joseph Ratzinger quer buscar em suas dúvidas sobre o papel que a Santa Sé deve exercer nestes tempos de mudanças de paradigmas?

8 de abr. de 2007

O Papa e os marxistas

Deus julgando Adão - William Blake

O Papa Bento XVI lançará um livro no dia 16 de abril. O título do livro é "Jesus de Nazaré".

O jornal italiano, Corriere della Sera, adiantou alguns trechos da obra, cuja degustação faz sentir um forte gosto da questão social.

Mais uma vez o Papa se vale de Karl Marx para ilustrar, ou ratificar pensamentos, quando descreve o homem como vítima de exploração e opressão.

Afirma, no livro, que "O homem, no curso de sua história, foi alienado, torturado, explorado. A grande massa da humanidade viveu quase sempre na opressão. Por outro lado, os opressores são uma degradação do homem".

Prossegue o Papa, agora inserindo o filosofo alemão em seu texto, "Karl Marx descreveu de maneira drástica a ´alienação´ do homem. Mesmo que não tenha atingido a verdadeira profundidade da alienação - porque raciocinava apenas em âmbito material - forneceu uma imagem clara do homem vitimado".

O Papa tem o cuidado de dizer, no prefácio do livro, que este não é um documento da Igreja Católica, mas apenas o que ele definiu como "a expressão de uma pesquisa pessoal".

Todavia, em um documento mesmo da Igreja Católica, na encíclica Deus Caritas Est, a primeira de Bento VXI, o Papa traz Marx ao texto, quando discorre sobre o binômio justiça e caridade.

O Sumo Pontífice lembra que "desde o século 19 têm havido objeções sobre a atividade caridosa da Igreja. O marxismo dizia que os pobres não precisavam de obras de caridade, mas de justiça. Há algo de verdade nessa afirmação, mas há diversos erros".

A encíclica recepciona "algo de verdade" no marxismo, embora afirme que nele há erros.

Por opor-se com veemência às posições relativistas que hoje são comuns na Igreja Católica, o Papa tem sido alvo de ataques, tanto na mídia como nos centros acadêmicos.

Fundamentam-se esses ataques ao reducionismo conservadores versus progressistas: aqueles servindo aos interesses das classes dominantes através de suas posições retrógradas e estes se posicionando ao lado dos oprimidos.

Esta dialética reducionista parte de uma perspectiva materialista para analisar a personalidade de Bento XVI e fazer previsões acerca de seu pontificado.

Como o Papa é carimbado como conservador, é fácil identificar a inspiração marxista na base ideológica dos opositores de Bento XVI.

Acredito, portanto, que as constantes referências ao marxismo nas lavras de Bento VXI, devem ser vistas como tentativas de arrefecer os ânimos daqueles que lhe fazem oposição, buscando um entendimento com os progressistas.

O livro, embora, como o próprio Papa adverte, não sendo um documento oficial da Santa Sé, deverá reforçar a posição dos progressista na Igreja Católica, cujo fôlego arrefeceu devido exatamente à posição conservadora do antecessor de Bento VX no trono de São Pedro, João Paulo II, que em sua encíclica Centesimus Annus de 1991, apontou as principais causas da riqueza das nações como sendo o capital humano, mas, também, na mesma carta, elogiou as empresas modernas, sem tecer comentários sobre a forma como estas lograram riquezas e o relacionamento das mesmas com o trabalhador.

Bento XVI, ao apor Marx no seu relato da exploração do homem pelo homem, não só parafraseia Hobbes, como arrefece, em sua "expressão de uma pesquisa pessoal", o elogio do capital feito por João Paulo II.

Eis aí, um ótimo meio termo no seio da Santa Sé.

2 de abr. de 2007

O nó górdio

gordio[1]

Conta a mitologia que Górdio foi um camponês escolhido pelo povo, em obediência à profecia, para ser rei da Frigia.

Tornando-se rei, Górdio, para cumprir a profecia, amarrou com um nó a carroça na qual chegou ao oráculo: o famoso nó górdio.

Dizia, também, a profecia, que quem fosse capaz de desatar o nó górdio, tornar-se-ia senhor de toda a Ásia.

Muitos tentaram em vão. Alexandre Magno chegou à Frigia e também tentou desatar o nó, com o mesmo insucesso dos outros. Impacientou-se: arrancou da espada e cortou o nó ao meio.

Quando Alexandre conseguiu subjugar toda a Ásia, começou-se a pensar que ele cumprira os termos do oráculo em sua verdadeira significação.

O Império alexandrino, o maior da história, não sobreviveu a Alexandre. Com a sua morte rapidamente se esfacelou em dezenas de reinos: suas conquistas não tiveram sustentabilidade no tempo e no espaço.

As políticas de desenvolvimento da Amazônia têm sido elaboradas por alexandres que acham que cortando o nó o estão desamarrando: não têm sido dotadas de elementos sustentáveis.

Todos os projetos implantados no território paraense só têm defesa strictu sensu, e não passam de exportação de commodities. Servem preferencialmente aos interesses exógenos: o desenvolvimento regional é apenas marginal.

A inteligência amazônica, e ela há, precisa subverter esta ordem e elaborar a sua própria agenda de desenvolvimento através de instrumentos científicos nela elaborados. Basta de aceitar passivamente as soluções dos demiurgos do planalto central.

O PAC, a exemplo, contempla o Pará tão somente com projetos de infra-estrutura elaborados ainda nos tempos dos planos militaristas, que se têm revelado ineficazes, porque não conseguiram distribuir renda, resumidos a enclaves para aproveitamento financeiro de grupos econômicos que têm enriquecido a custa do empobrecimento da população.

A infra-estrutura anunciada é pertinente, até como subseqüência do que já foi iniciado, todavia, mais uma vez se está cometendo o erro de cortar o nó ao invés de desenvolver conhecimento para desamarrá-lo: só isto não trará o dito desenvolvimento sustentável.

Haveria uma mudança de paradigmas e os cenários pouco otimistas que se pintam para a Amazônia seriam modificados, caso se visse no PAC ao menos R$1 bilhão para pesquisa e investimento em biotecnologia, onde está a verdadeira sustentabilidade amazônica.

A biotecnologia, a pesquisa científica consecutiva em modelos microrregionais de desenvolvimento, resguardadas as diversas peculiaridades de cada território e um banco de informações confiáveis de cada micro sistema ambiental, aliados à infra-estrutura civil: estes são os instrumentos tecnológicos e de gestão que precisamos para desamarrar o nó do desenvolvimento sustentável que poderá alavancar a Amazônia a um cenário de riqueza e vigor, com qualidade de vida para todos.

A insistirmos nesta falta de competência para acasalarmos a exploração dos recursos naturais com a agenda ambiental, estaremos fadados a cortar um nó górdio todos os dias, repetindo os mesmos erros das gerações anteriores, até que o império amazônico nada mais seja que uma enorme savana.

Restar-nos-á o consolo de plantarmos soja na savana.

Como canta o Caetano: somos uns boçais.