13 de ago. de 2007

Professor Martin

André Roberto Martin é Professor do Departamento de Geografia Política da Universidade de São Paulo.

Entrevista publicada em O Liberal, no dia 12.08.2007, no caderno Poder.

▪ O movimento separatista no Congresso se intensificou, mas pouco se fala nas demandas financeiras decorrentes da criação de um nova unidade federativa. Nenhum dos separatistas fala sobre os custos de um novo Estado. Qual o valor estimado dos investimentos iniciais e os custos permanentes de um novo Estado?

É uma coisa que pode variar um pouco, mas certamente a implantação de toda uma máquina administrativa estadual que envolve uma nova representação de mais três senadores e, no mínimo, mais oito deputados, além de uma série de secretarias, órgãos de prestação de serviços públicos, sede de governo, Assembléia e unidades do Poder Judiciário, terá um custo alto: cerca de US$ 1 bilhão, ou seja, R$ 2 bilhões que deverão ser reservados para implantar a máquina estadual. Esse valor vai recair direto no Tesouro Nacional. Além disso, há os custos com as despesas individuais dos novos parlamentares. Pesquisa econômica aponta que metade dos Estados brasileiros são inadimplentes do ponto de vista fiscal. Dependem de repasses federais para gerir suas máquinas estaduais. Então, não estou sendo leviano ao dizer que temos Estados demais no Brasil, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista político. Mas a pergunta é: a sociedade acha que este é um gasto bom? O que ocorreu é que justamente quando se falou que a União tinha que cortar gastos, já em 1988, houve uma enxurrada de propostas de novos municípios e novos Estados. E agora mais uma nova onda. Algo está errado. Fazemos um discurso para um lado e uma prática para outro lado.

▪ Os parlamentares favoráveis ao retalhamento do Estado usam como exemplo o Tocantins, devido ao crescimento econômico verificado na região emancipada. Tocantins, criado a partir da elaboração da Constituição, serve de comparativo para as novas divisões propostas?

O momento histórico é diferente. Naquela época, havia uma demanda reprimida do período militar. Então pareceu que, juntamente com as republicações pela democracia, fazia parte a de novos Estados. A conjuntura hoje não é essa. Do ponto de vista político, o que aconteceu especificamente com Tocantins foi uma manobra regional. Rondônia, Mato Grosso apoiaram e Goiás não perdeu deputados. Hoje, seria uma representação totalmente nova. Outra coisa nesse comparativo: a identidade regional é muito discutível. Em Tocantins, havia um histórico de movimentos, mas essas propostas para a criação de Carajás e Tapajós no Congresso, eu acho que são uma coisa muito artificial.

▪ É uma questão mais regional do que um problema nacional?

Esse é o ponto central. Não pode ser visto só como um problema regional. Tem sido assim historicamente no Brasil. Acenam dizendo que haverá investimentos, que a divisão atrairá empresas, empregos, dizem que a vida melhorará 100%. Como a população não apoiará essa proposta? Eu não conheço situação concreta que tenha revertido a população em ser do contra, principalmente em municípios. Com relação a Estado, é mais complicado, tem o caso do Triângulo Mineiro, que reivindicou a separação e perdeu. Nesse caso, prevaleceu a unidade, porque a elite mineira reconheceu a necessidade de estar unida no plano nacional. Agora, no Pará, está pipocando isso. Quero crer que a intelectualidade paraense está repudiando essa proposta.

▪ O principal argumento dos separatistas é a necessidade de desenvolver as regiões mais pobres e remotas do Estado, o que só seria possível, acham eles, a partir da divisão. Depois de divididas, essas regiões terão condições de sobrevivência?

Por exemplo, na questão do Estado do Carajás, onde você tem uma mina na mão e vai receber em impostos estaduais. É claro que, sob esse ponto de vista, vai ser uma empresa que vai dar lucro, digamos assim. Sob este ponto de vista, sim. Mas o que prejudica é o conjunto. Você concentra ali um pólo, esvazia o resto, cria um problema para a região, para a Nação. As coisas não podem só ser vistas dessa maneira, senão vamos transformar todos os distritos regionais em Estados. Não há como dividir o Estado e nenhuma das partes serem prejudicadas. Há dois tipos de movimentos seccionistas para a criação dos Estados: o dos pobres e o dos ricos. O dos ricos: 'Aqui nós pagamos muito impostos, a riqueza toda está aqui'. No caso dos pobres: 'A capital está muito longe e nós estamos abandonados. E já que somos miseráveis e ninguém olha para a gente, vamos viver por conta própria'. Estes dois argumentos me parecem meias verdades. Mas tem que se olhar melhor o conjunto. Estamos vivendo com uma Nação federativa complicada. Não podemos açodadamente criar mais Estados e municípios. É claro que alguns critérios deveriam ser observados, como um certo mínimo de arrecadação interna. Até hoje, temos Estados criados que enfrentam dificuldades para arrecadar impostos estaduais. Uma coisa, por exemplo, que poderia mudar, que seria um teste para ver se isso passa no Congresso é o Imposto Territorial Rural se tornar um imposto estadual. Porque aí você desafoga os Estados, dando mais dinheiro e mais responsabilidade às novas unidades. Universidades, por exemplo, têm que ser estaduais.

▪O Estado-mãe é sempre o mais prejudicado na divisão?

Tem se verificado que sim. Só no caso Mato Grosso é que observamos o contrário. Esperava-se que o Mato Grosso do Sul se desenvolvesse mais, por estar mais encostado na região Centro-Sul, mais desenvolvida, enquanto o norte do Mato Grosso ficaria abandonado. Caso estranho, porque os mais beneficiados pela divisão foram os que eram contra, na região norte.

▪ Qual a sua opinião sobre a proposta de que o Estado remanescente receba por um longo período um percentual de tudo o que for produzido pelos novos Estados?

Ainda não havia ouvido esse tipo de proposta. É um dado novo. Para mim, é esquisito. Reforça aquela idéia de que se trata mais de uma empresa do que propriamente de um novo Estado. Quer dizer: quem fez a proposta está querendo provar que a empresa vai dar lucro e pode pagar royalties. Esse raciocínio está equivocado para se analisar uma solicitação de criação de uma nova unidade federativa. É como se quem propôs já fez as contas e já calculou os repasses federais e entendeu que assim vale a pena retalhar o Estado. Não se pode olhar desse jeito.

▪ E a questão de defesa do território amazônico? Dividida, a floresta não estará mais protegida?

Esse é mais um argumento furado. Nesse caso, devemos fortalecer as Forças Armadas, que são federais. Sou favorável a que haja uma presença forte e firme delas em toda a fronteira e, claro, a fronteira amazônica é a menos protegida. Então, é lá que o exército tem que estar hoje mesmo. Já que argumentam tanto isso, então que se crie na zona fronteiriça mais problemática um território federal. E aí as contas já vão ser pagas pela União mesmo, como foi em 1943 e 1946, territórios federais por segurança, que podem retornar aos Estados. Diga-se que a previsão, em 1946, era devolver aos Estados-mãe os territórios criados por segurança. Mas como no Brasil é complicado, nunca se volta para trás. Criaram-se mais Estados. Eu acho que enfraquece o Estado. Roraima, por exemplo, deveria fortalecer o Amazonas. Em um Estado, sempre é bom ter uma cidade que rivalize um pouco, tenha uma capital regional. Agora, Santarém cresceu e vai virar capital do Tapajós. Enfim, o Brasil é complexo.

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