27 de ago. de 2007

Carta a J. Passarinho



Posse na ABM em 1994

No segundo turno das eleições para o governo do Pará, em 1994, era clara a derrota que seria imposta por Almir Gabriel, a Jarbas Passarinho.
Mais de 100 prefeitos acompanharam o então Senador Passarinho no 1o turno.
Na primeira semana do segundo turno, com as pesquisas indicando a vitória certa de Almir Gabriel, Passarinho perdeu 90% dos prefeitos.
Eu, então prefeito de Tucuruí, permaneci-lhe fiel e, ao ver a revoada, escrevi-lhe a carta mais abaixo.
Dois dias depois ele a respondeu com uma atitude carinhosa: convidou-me para um almoço na casa do seu sobrinho, então Deputado Estadual Ronaldo Passarinho.
Neste almoço a três, pude notar a resignação de Jarbas Passarinho à derrota que o tiraria da vida política.
Jarbas Passarinho perdeu aquela eleição, mas continuou, e continua sendo, uma das figuras mais respeitadas no cenário da República.
A carta:
Caro Senador,
A dignidade dos homens construiu a base moral da humanidade. Esta base moral, embora um tanto amorfa ultimamente, ainda é um forte cimento do que tem de bom na sociedade.
Tempo houve em que a palavra do homem era suficiente para garantir seu ato no futuro, obrigando inclusive seus descendentes.
Nossos heróis foram todos personagens deste tipo: sacrificaram a própria vida por seus compromissos, que uma vez firmados jamais seriam quebrados, não importavam as dificuldades peculiares à saga que empreendiam.
O homem moderno não mais cuida de ser assim tão cartesiano. Desde Maquiavel, a sobrevivência impôs modos menos extremados de agir para a consecução de um fim.
Talvez a questão consista em se expandir Hobbes: o homem é o lobo do próprio homem, porém, não mais se agrupa em alcatéias.
O homem é um lobo solitário: sua finalidade é ele mesmo.
A democracia suavizou a guerra pelo poder. O que se conseguia antes nos campos de batalha, se consegue hoje pelo voto, embora este mantenha, a seu modo, as mesmas mazelas, surpresas e traições das guerras.
A crueldade do processo eleitoral não difere muito do que é a guerra pura.
Todo aquele que se propõe a ser candidato deve sempre ter em mente os versos de Augusto dos Anjos: “Acostuma-te à lama que te espera, o homem que nesta terra miserável, mora entre feras, sente a inevitável necessidade de também ser fera.”
Algo, porém que não acontecia naqueles tempos é comum hoje: um soldado jamais passava para o outro lado do front pelo fato de este estar perdendo a batalha, pelo contrário, lutava com mais ardor e a isto se devia, muitas vezes, vitórias inesperadas.
O meu coração jamais se conformará com a atitude daqueles que abandonam o navio no meio do mar, devido à tormenta: ou o levo a porto seguro, ou afundo com ele.
Admito até que se troque de embarcação depois de atracá-la ao cais, mas deixá-la à deriva jamais.
Muitos lhe prestaram apoio quando de sua candidatura ao governo do Pará. Poucos trabalharam para efetivar este apoio.
A maioria, como as birutas dos aeroportos, virou caçador de ventos: foi mudando de posição conforme a brisa das pesquisas de opinião.
Mais uma vez, parafraseando Augusto dos Anjos, o beijo era a véspera do escarro: mãos que ainda ontem lhe afagavam hoje lhe apedrejam, e aqueles que resolveram ser menos explícitos, estão com elas convenientemente atadas.
Tristes exemplos, principalmente quando partem de homens públicos. As vitórias e as derrotas seriam mais belas e honradas se não houvesse essa dança de vampiros.
Asseguro-lhe minha solidariedade e meu trabalho até o fim com a mesma posição que assumi no início. Nada me fará mudar de lado ou cruzar os braços.
Vamos em frente. Não se alquebre por coisa alguma. Seja o guerreiro que sempre mereceu a admiração dos brasileiros.
Vencido ou vencedor nesta batalha, o senhor sempre terá o respeito dos paraenses e dos brasileiros.

20 de ago. de 2007

Resposta de Jorge Amado

Abaixo, o fac-símile da resposta de Jorge Amado, à carta que o enviei:

cartaja01[2]

cartaja02[1]

Carta a Jorge Amado

shot001

Por se tratar de algo pessoal, sempre relutei em tornar pública esta correspondência com Jorge Amado.

Após ler “Navegação de Cabotagem”, o livro de memórias de Jorge Amado, enviei-lhe a carta abaixo. Jorge, convalescendo de um enfarto, em Lisboa, respondeu-me carinhosamente.

Ao final da carta está o link para o fac-símile da resposta, de próprio punho, do escritor.

A carta que enviei está hoje na Casa Fundação Jorge Amado, em Salvador-BA.

A carta:


Tucuruí, 30 de junho de 1993

Caro Jorge,

Desde "Confesso que vivi", do Neruda, não tinha lido algo tão gostoso, na espécie, como, Navegação de Cabotagem.

Embora o título tenha sido feliz, por pitoresco e peculiar a ti, tua navegação, de vera, é de longo curso: os mares da vida, com certeza, ainda estão marcados, e para sempre o ficarão, pelas ondas que fizeste onde passaste.

Leio a tua releitura do que fomos, os rebentos de Lênin, e vejo que, como eu, também concluis que o sonho acabou.

A madrugada desvirginada nos mostra o que para poucos foram sonhos e flores e para muitos pesadelos e espinhos.

Guardo comigo um pedaço do muro de Berlim. Quando o vejo só consigo imaginar o pesadelo e os espinhos. Faço questão de fita-lo: é a minha penitência.

Mas, nem tudo foi em vão: os poetas foram ótimos. E havia sinceridade em suas obras.

Sabes que havia muitos deles salafrários e pérfidos, todavia suas obras foram e são mensagens profundas, belas e talentosas aos povos de todo o mundo: a poesia, a arte em sua essência, não tem fronteiras ou barreiras ideológicas.

Hoje se vê, nitidamente, o que foi criado, de médico e de monstro, em busca de um fim que ainda considero nobre.

Resolvi, à ilharga de muitos, matar o monstro: neste mundo não há  mais lugar para ideologias de qualquer ordem. Afinal, todos, temos o mesmo ideal.

Devemos concluir que as ideologias acabam por matar os ideais que perseguem e os meios acabam por se transformar em fins.

Dizes que gostarias de viver para ver em que tudo isto vai dar, mas, esta estrada é infinita, meu caro: ela acaba na eternidade.

Tudo que temos a fazer é zelar para garantir a continuidade da espécie para, através dos nossos descendentes, continuar o caminho.

Esta é a verdadeira imortalidade: a crença de que daqui a bilhões de anos, quando o sol já  houver engolido a Terra, nós, através dos nossos descendentes, seja lá  que forma tenham então, já  teremos partido em busca de outra Terra, continuando a viagem.

Que angústia! Jamais saberemos onde isto vai dar.

A propósito, tenho um amigo, que como o teu, lembra-se de todas as suas reencarnações.

É certo que já  reencarnou menos que o teu, porém já  teve a honra, e não duvide que ele se magoa, de ter sido, em uma dessas encarnações, ninguém menos que Dante, o da Divina Comédia.

Já  esteve em outros planetas também. Agora é um engenheiro civil. Confiarias uma obra a ele?

A propósito, outra vez, alguns dias atrás, estavam eu, o Senador Jarbas Passarinho, seu sobrinho Ronaldo, que é Deputado Estadual pelo Pará  e o Superintendente da CEF no Pará, Gilberto Chaves, comentando o teu Navegação de Cabotagem.

O Senador Passarinho nos colocou que em um artigo dominical em O Liberal, escreveu que resolveu usar o teu cemitério, onde enterras aqueles que por alguma razão te caíram em desapreço, para também, a teu exemplo, enterrar aqueles que para ele morreram.

Achei ótima a ideia e resolvi, a exemplo do Senador, enterrar os meus mortos no mesmo cemitério, que é o teu.

Como podes ver, a tua revelia, invadimos, com pás e enxadas, o teu campo santo. Não podes ser latifundiário de cemitério, deves dividi-lo conosco.

Fui um dos que sobrou dos sonhos e das flores. Todavia, sem querer parafrasear Sartre, penso ter chegado à idade da razão.

As passeatas, as palavras de ordem e a ditadura do proletariado, as recordo com saudade e melancolia.

Saudades dos amigos que encontrei no caminho e da  fé intimorata que tínhamos nos ideais da revolução. Saudades da sensação de ser um bravo que enfrentava  o sistema com o verbo.

Melancolia por saber que tudo que restou foi o fracasso. A voluptuosa melancolia de saber que a história de tudo aquilo será  contada como a história dolorosa de um fracasso.

Ainda tenho os mesmos ideais. Porém não mais me mapeio na ideologia que nos jogou no abismo que cavamos com nossos próprios pés.

Na queda, me agarrei nos arbustos que crescem nas encostas do cume, escalei-o, cheguei novamente em cima: começo tudo de novo, com menos paixão e mais cautela.

Hoje, como na canção do Fagner, “só acredito no pulsar das minhas veias e aquela luz que havia em cada ponto de partida, há  muito me deixou”: as ilusões se perderam nas lembranças.

Porém há  sempre algo de que não nos conseguimos livrar de todo: ainda me zango quando alguém me vem falar mal do nosso velho Fidel. Falem de todos, menos dele.

Não mais concordo com ele, um velho teimoso. Mas não consigo deixar de ama-lo.

Talvez não seja amor, mas pena. Não a pena pejorativa que é irmã do sarcasmo, mas a pena solidária de vê-lo morrer junto com a Ilha, e ao fim da vida constatar, sei que ele sabe, que tudo foi em vão.

Sempre que vejo Fidel, me vem à mente o velho guerreiro Chingachcook, da tribo dos moicanos, das páginas de Fenimore Cooper.

Ao enterrar seu único filho, morto pelo chefe dos Huron, no alto de uma montanha, Chingachcook pedia ao seu deus que também o levasse, pois todos os seus já  se haviam ido e nada mais ali lhe restava, pois que ele era, já  na Terra, o derradeiro da tribo que outrora era numerosa e habitava aqueles vales.

Que restava para ele agora, O Último dos Moicanos?

Um abraço para ti, outro para a Zélia.

Parsifal Pontes


Para ler a resposta clique aqui.

13 de ago. de 2007

Professor Martin

André Roberto Martin é Professor do Departamento de Geografia Política da Universidade de São Paulo.

Entrevista publicada em O Liberal, no dia 12.08.2007, no caderno Poder.

▪ O movimento separatista no Congresso se intensificou, mas pouco se fala nas demandas financeiras decorrentes da criação de um nova unidade federativa. Nenhum dos separatistas fala sobre os custos de um novo Estado. Qual o valor estimado dos investimentos iniciais e os custos permanentes de um novo Estado?

É uma coisa que pode variar um pouco, mas certamente a implantação de toda uma máquina administrativa estadual que envolve uma nova representação de mais três senadores e, no mínimo, mais oito deputados, além de uma série de secretarias, órgãos de prestação de serviços públicos, sede de governo, Assembléia e unidades do Poder Judiciário, terá um custo alto: cerca de US$ 1 bilhão, ou seja, R$ 2 bilhões que deverão ser reservados para implantar a máquina estadual. Esse valor vai recair direto no Tesouro Nacional. Além disso, há os custos com as despesas individuais dos novos parlamentares. Pesquisa econômica aponta que metade dos Estados brasileiros são inadimplentes do ponto de vista fiscal. Dependem de repasses federais para gerir suas máquinas estaduais. Então, não estou sendo leviano ao dizer que temos Estados demais no Brasil, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista político. Mas a pergunta é: a sociedade acha que este é um gasto bom? O que ocorreu é que justamente quando se falou que a União tinha que cortar gastos, já em 1988, houve uma enxurrada de propostas de novos municípios e novos Estados. E agora mais uma nova onda. Algo está errado. Fazemos um discurso para um lado e uma prática para outro lado.

▪ Os parlamentares favoráveis ao retalhamento do Estado usam como exemplo o Tocantins, devido ao crescimento econômico verificado na região emancipada. Tocantins, criado a partir da elaboração da Constituição, serve de comparativo para as novas divisões propostas?

O momento histórico é diferente. Naquela época, havia uma demanda reprimida do período militar. Então pareceu que, juntamente com as republicações pela democracia, fazia parte a de novos Estados. A conjuntura hoje não é essa. Do ponto de vista político, o que aconteceu especificamente com Tocantins foi uma manobra regional. Rondônia, Mato Grosso apoiaram e Goiás não perdeu deputados. Hoje, seria uma representação totalmente nova. Outra coisa nesse comparativo: a identidade regional é muito discutível. Em Tocantins, havia um histórico de movimentos, mas essas propostas para a criação de Carajás e Tapajós no Congresso, eu acho que são uma coisa muito artificial.

▪ É uma questão mais regional do que um problema nacional?

Esse é o ponto central. Não pode ser visto só como um problema regional. Tem sido assim historicamente no Brasil. Acenam dizendo que haverá investimentos, que a divisão atrairá empresas, empregos, dizem que a vida melhorará 100%. Como a população não apoiará essa proposta? Eu não conheço situação concreta que tenha revertido a população em ser do contra, principalmente em municípios. Com relação a Estado, é mais complicado, tem o caso do Triângulo Mineiro, que reivindicou a separação e perdeu. Nesse caso, prevaleceu a unidade, porque a elite mineira reconheceu a necessidade de estar unida no plano nacional. Agora, no Pará, está pipocando isso. Quero crer que a intelectualidade paraense está repudiando essa proposta.

▪ O principal argumento dos separatistas é a necessidade de desenvolver as regiões mais pobres e remotas do Estado, o que só seria possível, acham eles, a partir da divisão. Depois de divididas, essas regiões terão condições de sobrevivência?

Por exemplo, na questão do Estado do Carajás, onde você tem uma mina na mão e vai receber em impostos estaduais. É claro que, sob esse ponto de vista, vai ser uma empresa que vai dar lucro, digamos assim. Sob este ponto de vista, sim. Mas o que prejudica é o conjunto. Você concentra ali um pólo, esvazia o resto, cria um problema para a região, para a Nação. As coisas não podem só ser vistas dessa maneira, senão vamos transformar todos os distritos regionais em Estados. Não há como dividir o Estado e nenhuma das partes serem prejudicadas. Há dois tipos de movimentos seccionistas para a criação dos Estados: o dos pobres e o dos ricos. O dos ricos: 'Aqui nós pagamos muito impostos, a riqueza toda está aqui'. No caso dos pobres: 'A capital está muito longe e nós estamos abandonados. E já que somos miseráveis e ninguém olha para a gente, vamos viver por conta própria'. Estes dois argumentos me parecem meias verdades. Mas tem que se olhar melhor o conjunto. Estamos vivendo com uma Nação federativa complicada. Não podemos açodadamente criar mais Estados e municípios. É claro que alguns critérios deveriam ser observados, como um certo mínimo de arrecadação interna. Até hoje, temos Estados criados que enfrentam dificuldades para arrecadar impostos estaduais. Uma coisa, por exemplo, que poderia mudar, que seria um teste para ver se isso passa no Congresso é o Imposto Territorial Rural se tornar um imposto estadual. Porque aí você desafoga os Estados, dando mais dinheiro e mais responsabilidade às novas unidades. Universidades, por exemplo, têm que ser estaduais.

▪O Estado-mãe é sempre o mais prejudicado na divisão?

Tem se verificado que sim. Só no caso Mato Grosso é que observamos o contrário. Esperava-se que o Mato Grosso do Sul se desenvolvesse mais, por estar mais encostado na região Centro-Sul, mais desenvolvida, enquanto o norte do Mato Grosso ficaria abandonado. Caso estranho, porque os mais beneficiados pela divisão foram os que eram contra, na região norte.

▪ Qual a sua opinião sobre a proposta de que o Estado remanescente receba por um longo período um percentual de tudo o que for produzido pelos novos Estados?

Ainda não havia ouvido esse tipo de proposta. É um dado novo. Para mim, é esquisito. Reforça aquela idéia de que se trata mais de uma empresa do que propriamente de um novo Estado. Quer dizer: quem fez a proposta está querendo provar que a empresa vai dar lucro e pode pagar royalties. Esse raciocínio está equivocado para se analisar uma solicitação de criação de uma nova unidade federativa. É como se quem propôs já fez as contas e já calculou os repasses federais e entendeu que assim vale a pena retalhar o Estado. Não se pode olhar desse jeito.

▪ E a questão de defesa do território amazônico? Dividida, a floresta não estará mais protegida?

Esse é mais um argumento furado. Nesse caso, devemos fortalecer as Forças Armadas, que são federais. Sou favorável a que haja uma presença forte e firme delas em toda a fronteira e, claro, a fronteira amazônica é a menos protegida. Então, é lá que o exército tem que estar hoje mesmo. Já que argumentam tanto isso, então que se crie na zona fronteiriça mais problemática um território federal. E aí as contas já vão ser pagas pela União mesmo, como foi em 1943 e 1946, territórios federais por segurança, que podem retornar aos Estados. Diga-se que a previsão, em 1946, era devolver aos Estados-mãe os territórios criados por segurança. Mas como no Brasil é complicado, nunca se volta para trás. Criaram-se mais Estados. Eu acho que enfraquece o Estado. Roraima, por exemplo, deveria fortalecer o Amazonas. Em um Estado, sempre é bom ter uma cidade que rivalize um pouco, tenha uma capital regional. Agora, Santarém cresceu e vai virar capital do Tapajós. Enfim, o Brasil é complexo.

Professor Roberto Santos

Roberto Santos é economista e foi um dos fundadores do extinto IDESP.

Entrevista concedida à jornalista Simone Romero, publicada em O Liberal, no dia 12.08.2007, no caderno Poder.

▪ Na década de 1980 o senhor publicou o que, até hoje, faz parte da bibliografia básica para se entender o processo de desenvolvimento da Amazônia. Esse livro é o 'História Econômica da Amazônia'. Se o senhor fosse escrever uma segunda parte desse livro, incluindo os fatos recentes ocorridos na economia amazônica, o que destacaria?

Com certeza eu não escreveria mais aquele livro do jeito que ele foi escrito na época, e sim um outro livro, destacando novas realidades. Os fatos a que eu daria maior importância não seriam mais aqueles a que dei importância em 'História Econômica da Amazônia', porque a Amazônia mudou e está mudando muito. As alterações climáticas e suas conseqüências na forma como o mundo vê atualmente a região seria um ponto importante a ser levantado dentro dessa nova perspectiva histórica. As mudanças no clima interferem e vão interferir ainda mais na forma como a economia se desenvolverá na região. Principalmente no que diz respeito a novas práticas de desenvolvimento. Um outro ponto novo que eu destacaria é a sociedade amazônica. O homem amazônico mudou, então qualquer livro que venha ser escrito nesse sentido precisa abranger a mudança fantástica ocorrida com a incorporação das preocupações ambientais e com as alterações sociais que atravessamos.

▪ Que mudanças são essas que o senhor enxerga na sociedade Amazônica? De que forma mudamos?

▪ Identifico uma sociedade envolvida em novas tentativas de desenvolvimento, em busca de novos caminhos para o crescimento e envolvida também com novos empreendimentos, mesmo que o que se tenha conseguido até agora ainda seja muito pouco. Por exemplo, é uma sociedade que se dedicou à busca de novos empreendimentos econômicos em setores como o florestal e o mineral. Essa realidade é bem diferente daquela na ocasião em que eu escrevei aquele livro. Hoje temos uma Amazônia mais amadurecida, que busca tratar de si mesma, nem sempre com muito sucesso, mas pelo menos de uma forma diferente. Por exemplo, é verdadeiro que a Amazônia mudou com o avanço nos investimentos no setor mineral. Há uma nova indústria nascendo. Isso representa uma grande mudança para a Amazônia. Espero que isso represente também uma grande mudança para a economia amazônica. Com relação à questão dos royalties, é possível ver que os municípios têm avançado um pouco nas suas tentativas de desenvolvimento. Não estão paralisados como estavam outrora, na velha Amazônia. Você vê Marabá e outros municípios empreendendo e tentando coisas novas. Isso significa que obtivemos um sucesso relativo no avanço econômico da Amazônia Oriental.

▪ O pesquisador Samuel Benchimol, já falecido, tinha uma tese em que afirmava que se os países desenvolvidos queriam conservar a Amazônia, deveriam remunerar o Brasil por esse serviço ambiental. O senhor, que conheceu bem o professor Benchimol, acredita que o mercado de créditos de carbono é, de certa forma, uma resposta positiva a essa tese?

Eu achava e acho essa tese do Samuel Benchimol muito bem formulada. Genialmente formulada como, aliás, eram todas a coisas que o Samuel Benchimol fazia. De uma forma geral, a idéia era de que uma parte dos países, especialmente os mais ricos, deveria contribuir para a criação de um fundo para ser aplicado no desenvolvimento econômico dos países mais pobres. Ainda acredito que isso é uma grande idéia, mas não tenho visto muita coisa nesse sentido sendo implementada no mundo. Os créditos de carbono talvez apontem nesse caminho, mas não tenho uma análise mais profunda sobre esse assunto.

▪ A história da indústria paraense pode ser descrita como uma sucessão de ciclos. Na década de 1960 tínhamos um parque industrial consolidado que, no entanto, entrou em decadência por não conseguir se modernizar e fazer frente aos produtos vindos de outras regiões mais industrializadas. Nas últimas décadas, no entanto, esse segmento voltou a se aquecer. Teremos mais sorte dessa vez?

Acho que sim, inclusive porque a maneira como essa indústria está se implantando é totalmente distinta daquela que se consolidou no passado. Temos aqui uma indústria já bastante autônoma, prometendo grandes realizações. Atenta ao que acontece no mundo e buscando novos mercados a atualização tecnológica. Isso é totalmente o inverso do que existia aqui na década de 1960.

▪ E enquanto as cidades de urbanizam e o Estado vive um ciclo de modernidade, no meio rural as relações de trabalho ainda, em muitos casos, continuam a ser servis....

Em parte isso ocorre por causa do fenômeno que socialmente norteou a rede de desenvolvimento rural na Amazônia, que era a rede do 'aviamento'. Foi essa rede que historicamente sustentou a existência de uma sociedade rural. Por exemplo, no período da borracha, o aviamento era a forma corrente de relação de trabalho. Ainda existe muito aviamento no Acre e em algumas zonas do interior do Pará. Agora, o que está havendo de mais novo e mais terrível aqui na nossa região é a resistência de focos de escravidão. Não só a escravidão efetiva, mas a escravidão disfarçada que atinge famílias provenientes de outras regiões, principalmente do Nordeste, que vêm para o Pará e aqui se estabelecem empregadas em um sistema de falso aviamento.

▪ Por outro lado, um fenômeno também observado no Estado é o aquecimento das economias municipais e, como conseqüência, o surgimento ou a consolidação de movimentos separatistas. Qual a sua opinião sobre a possibilidade de divisão do Estado?

Não há dúvida de que essa tese do separatismo está posta e que determinados segmentos da população lutam dentro das frentes para que a redivisão territorial se concretize. Do ponto de vista econômico acredito que há viabilidade para a criação de novos estados. Pessoalmente, porém, eu não desejo que isso aconteça. Acho que sentirei saudades do Pará como ele era.

▪ Fazendo um exercício de futurologia, como estará o Pará daqui há 20 anos?

Desde que o Herman Kahn (conhecido futurólogo norte-americano) desapareceu do cenário eu não pego em estudos de futurologia. Mas, veja, podemos fazer algumas tentativas. Por exemplo, você pode ir analisando os fatos que estão acontecendo para prever os que vão acontecer, e esse era o método de futurologia que nós mais usávamos. Então vamos analisar o que está acontecendo no Pará. O Estado vive um momento de expansão da atividade minerária e, ainda, um meio rural que se moderniza com o avanço da agroindústria e com a obtenção de maior produtividade no campo. A partir desses pontos podemos prever que o Estado viverá um avanços notável na sua economia que não exigirá 20 anos. Talvez isso ocorra até num futuro mais próximo. Isso implicará um aumento da mão-de-obra no setor industrial e um aumento da mão-de-obra rural. Eu sempre fui um otimista. Para mim, o pior raciocínio é o guiado pela pessimismo. Acho que o Estado vai caminhando bem, e caminhará melhor.

▪ E quanto à atual produção intelectual paraense. O senhor acha que estamos em uma boa safra?

Sem querer cair novamente naquela de otimismo, eu acho que a Universidade Federal do Pará trouxe uma grande contribuição para a atividade intelectual da região nesses seus 50 anos. Realizou o que tinha para realizar. Quem viveu, como eu, a universidade no tempo, não digo nem da sua criação, no tempo anterior à sua criação, quando criar uma universidade na Amazônia era um sonho absurdo, sabe que os avanços foram muitos. E hoje, passados apenas 50 anos, vemos uma universidade vibrante. Acho isso notável.

▪ Não são poucos os que consideram o Direito Ambiental como um grande entrave ao desenvolvimento da Amazônia. O senhor tem uma série de estudos sobre Direito Ambiental. Como o senhor vê essa polêmica?

O Direito Ambiental surgiu batendo a cabeça, tendo que dar cotovelada nos outros, para poder abrir seu próprio caminho e poder respirar um pouco melhor. E isso continua acontecendo até hoje com o Direito Ambiental e com o ambientalismo de uma forma geral porque os que resistem ao Direito Ambiental são os mesmos que resistem ao ambientalismo. Tivemos uma grande vitória com a Constituição de 1988, quando surgiu a definição do Direito Ambiental, considerado um direito de toda a sociedade.

▪ O senhor agora será homenageado pelo governo do Estado, com seu nome no novo Idesp. Como vê o retorno da instituição?

Fui um dos fundadores do Idesp. O governo me homenageou colocando meu nome no Idesp. Achei um pouco injusto, pois havia outras pessoas que trabalharam tanto quanto eu para a criação do instituto, como o Roberto Barbosa Oliveira e o Amilcar Tupiassu. Mas também não recusarei a homenagem. Minha expectativa em relação ao novo Idesp é favorável. O Idesp passou por uma fase ruim e foi baseado nisso que o Almir Gabriel acabou com o instituto. Agora, ao ser retomado, acredito que a instituição entrará em uma nova fase, não só boa para ela como para o planejamento do Estado.

Acidente geográfico

Mapa do Brasil colônia, mostrando as Capitanias hereditárias

Em entrevista a “O Liberal”, o professor do Departamento de Geografia Política da Universidade de São Paulo, André Roberto Martin, procura desconstruir a viabilidade da redivisão do Pará.

Os argumentos? Os mesmos já editados por aqueles que se contrapõem à hipótese: são simplesmente contra.

Desfila os pontos negativos, não coteja com os positivos e omite as alternativas.

Mostra desconhecimento de causa ao afirmar que o movimento separatista é artificial: faz coro ao dito de que a saga da divisão tem origem na ganância política das elites caipiras.

Repisa no custo com os quais a implantação de novos estados encarrega a União, colocando-os, capciosamente, de forma absoluta, sem cotejá-los com o que isto representa percentualmente no orçamento geral, e sem rebatê-los no que representariam na redistribuição da renda federativa.

Ao ser instado sobre o porquê de se terem viabilizado outras redivisões territoriais no Brasil, alega um sofisma: ontem deu certo, hoje não mais daria.

Um argumento desbotado para um entrevistado do jaez de um mestre: as mesmas condições político administrativas, guardadas as peculiaridades geográficas, que tinham as regiões de Goiás e Mato Grosso que se emanciparam, têm hoje as regiões Sul e Oeste do Pará.

Por conseguinte, em sendo o mesmo o diagnóstico, recomenda-se o mesmo tratamento, na ausência de outro mais eficaz.

O outro elixir têm sido as promessas debalde e recorrentes de todos os que se sentaram ao trono, desde o Lauro Sodré, até o Palácio dos Despachos: integrar os pólos.

Destila inverdades ao dizer que os separatistas afirmam que a vida nos novos estados irá melhorar 100%.

Nunca ouvi isto de nenhum deles, pois seria uma irresponsabilidade tal assertiva: a divisão é um meio de alavancar desenvolvimento e melhores oportunidades de serviços e investimentos e não a pedra filosofal do bem estar econômico e social.

Afirma, no ponto do custo, que a União tem que cortar gastos o que é verdadeiro. E, por isto, não pode financiar novos estados, o que é falso.

O contraponto é que exige o ponto: a União tem que cortar gastos pois precisa financiar a criação de novos estados no Brasil, como forma de tornar a federação mais eficaz na prestação dos serviços que a nação demanda.

A grande interrogação da acuidade silogística do Professor Martin em discorrer sobre a tez federativa é a afirmação desfocada que faz ao dizer que o Brasil tem estados demais: talvez para ele o ideal fosse ainda o mapa das capitanias hereditárias, que tiveram entre um dos motivos do fracasso administrativo, além da característica feudal da medida, exatamente a enorme extensão territorial das mesmas.

Toda a história do globo, no que tange à forma como o ser humano se tem colocado geograficamente nele, conduz à pulverização da organização geopolítica.

Países, seja qual for o regime ou o sistema político, seja qual for a forma como o estado se constrói federativa ou confederativamente, dividem à exaustão as autonomias político administrativas.

Não precisa lembrar o repisado argumento de países inteiros que cabem no território paraense, que possuem 100 vezes mais o número de departamentos político administrativos.

O que precisa ser discutido neste item, não é o engessamento da federação por conta do alto custo da gerência, e sim o benefício deste custo e o que ele representa em relação ao PIB nacional.

Se concluída a sua ineficácia, deve-se procurar meios de reformar o sistema para aperfeiçoá-lo.

Se a conclusão é que é cara a manutenção representativa do país. Se for fato que os três poderes são financeiramente pesados à nação, não se pode usar este argumento para diminuir o número de estados ou impedir o surgimento de outros.

O que deve ser feito, neste caso, é invocar uma reforma política conseqüente, no sentido de que a federação precisa ser mais ágil e estar mais próxima do cidadão. Para isto ser efetivo, não há outra forma: deve-se levar o estado a ele. 

Aqueles que sempre argumentaram contra a repactuação federativa através da redivisão territorial, não têm conseguido mostrar que têm razão, por um simples fato: as regiões continuam aguardando a implementação das políticas públicas capazes de reverter o quadro de desorganização sócio político administrativas em que vivem.

Se a desculpa é não ter recursos, a divisão, se não resolve o dilema, arrefece o drama: as novas entidades federativas teriam mais recursos do que aquilo que lhes é depositado hoje.

A lógica continua ainda aquela da concentração de recursos e ações na capital e adjacências.

Se esta é a lógica do sistema, o cidadão se deve proteger com outra lógica que a ratifica: multiplicar as capitais, criando pólos de desenvolvimento mais recorrentes dentro da mesma área e, por razões federativas, em território autônomos.

Os países desenvolvidos se elaboram em torno de áreas metropolitanas, pois estas, embora sejam incubadoras de problemas são também gestoras de desenvolvimento e, afinal, a inteligência do habitat moderno está muito mais dirigida a equacionar as questões urbanas do que a prover os vazios demográficos.

Negar, portanto, dois novos pólos de desenvolvimento, com a criação de dois novos estados a partir do Pará, é negar o rumo geopolítico que tomaram gestões similares em outras partes do mundo e que deram certo.

Querer gerir o Pará a partir somente de Belém, é inconseqüente e ineficaz.

Ainda, os estudos já feitos, apontam exatamente, como não poderia deixar de ser, a região metropolitana de Belém, como a área que mais poderá alavancar viabilidade de desenvolvimento em um novo mapa do Pará.

Afinal, no contra ponto do Professor Martin, e com maior autoridade que ele, noutra entrevista, no mesmo jornal e dia, o Professor Roberto Santos, economista de fina estampa, um dos criadores do extinto IDESP, mesmo sendo, por razões sentimentais, pessoalmente contra a divisão do Pará, não lhe nega a viabilidade.

Afirma na entrevista, do alto da sua autoridade, o Professor Santos: “Não há dúvida de que essa tese do separatismo está posta e que determinados segmentos da população lutam dentro das frentes para que a redivisão territorial se concretize. Do ponto de vista econômico acredito que há viabilidade para a criação de novos estados. Pessoalmente, porém, eu não desejo que isso aconteça. Acho que sentirei saudades do Pará como ele era”.

Para parafrasear o jornal entrevistador, “Viva o Professor Santos!”

6 de ago. de 2007

Caviar com rapadura

caviarapa[1]

Estamos acostumados a ver marchas e passeatas. Já estamos cansados delas: atrapalham o trânsito e atrasam a nossa pressa, afinal, o homem moderno é um  ser toscamente apressado.

Não mais nos comove as caminhadas do MST, da CUT, da CGT, da UNE ou dos professores.

Eles podem desfilar à vontade, com os cartazes que quiserem. Podem falar mal do Lula e culpar o governo de todas as suas mazelas: é normal, estão exercendo um direito constitucional e não estão conclamando ninguém a um golpe.

Acabou a marcha ninguém mais se lembra de nada: a vida apressada continua.

No entanto, a inteligência nacional estabeleceu que só quem pode fazer passeata são os pobres e desvalidos: quem tem alguma coisa, conseguiu ganhar alguns trocados, tem que ficar calado e dar graças a Deus, no escurinho da capela, por não ter sido ainda compelido a pedir concordata.

A elite branca, como a alcunhou o professor Lembo, não pode passear no calçadão da Avenida Paulista portando uma cartolina com um “Fora Lula” que é golpe.

Se a turma da black tie se aglomera e desfila no Leblon, protestando contra os altos preços do caviar e a péssima qualidade a que chegou a primeira classe das companhias aéreas, avermelham-se os ânimos e lembram logo a marcha da TFP: golpistas.

Para mim, não obstante, as diferenças da marcha do João Doria Jr. para a do Stedile são o estilo e a estética.

Guardadas as especificidades de cada procissão, as duas têm os mesmos objetivos políticos e são similares nos respectivos limites: ambas querem chamar a atenção para uma determinada questão da República e nenhuma tem a mínima intenção de depor o Presidente da República.  

Portanto, embora eu esteja, por motivos puramente ideológicos, mais simpático à marcha do MST, não tenho antipatia alguma ao convescote cívico da turma dos jardins: acho que já era hora desta gente perfumada suar um pouco a gabardine dos ternos.

Agora, não precisam os portadores dos cartões platinum, com a OAB junto, ficarem tergiversando a realidade: claro que o movimento é político, como o MST e etc. também são.

Todavia, não há problema algum nisto. Temos todos o direito livre da expressão e da atitude política. É através da política que se elaboram as mudanças.

Isto posto, vamos dar aos cansados os limites estritos da importância que a atitude deles alcança: o mérito de começar a ver que as mudanças se fazem à medida que toda uma sociedade se modifica.

Quem sabe, já que eles podem ter visto que não lhes fere tanto o cromo alemão dos sapatos uma volta no asfalto, na próxima passeata do MST vamos ver o João Dória Jr. do lado do Stedile, gritando em um só refrão que todos os camponeses têm direito a um pedaço de chão. 

Deixem os clientes da Daslu fazerem as suas passeatas. Tirem este negócio de golpe da cabeça. Relaxem e gozem.